5 de janeiro de 2005

Mito Fundador e Sociedade Autoritária (não-ficção)

Marilena Chaui, 2000, Brasil

“Como foi construído o mito fundador do Brasil, desde 1500 aos nossos dias? Que papel essa idéia representa em nosso país, como fator de coesão e coerção social?”, eis algumas questões apresentadas pelo ensaio de Marilena Chaui.

Segundo a autora, mito, no sentido antropológico, é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos no plano da realidade; e no sentido psicanalítico, é visto como impulso à repetição de algo imaginário que cria um bloqueio à percepção da realidade e impede de lidar com ela. Quanto à fundação, refere-se a um instante imaginário que se mantém vivo ao longo do tempo; é algo tido como perene, que traveja e sustenta o curso temporal e lhe dá sentido.

Portanto, mito fundador é a narrativa que busca estabelecer um sentido originário e agregador para a afirmação de uma sociedade. Essa narrativa passa por cima dos conflitos e diferenças existentes, tentando dar à luz uma ordem e homegeneidade que, na realidade, não correspondem ao processo histórico.

No caso do Brasil, esse discurso passa pela idéia de paraíso terrestre, veja-se a carta de Caminha; país abençoado por Deus, ‘aqui não há catástrofes naturais’; povo pacífico e trabalhador, fruto da união de raças e que, portanto, desconhece o preconceito; e assim segue...

Na realidade, esta máscara não se encaixa: massacres em conflitos de terras e chacinas de crianças atestam a violência que aqui se tolera; denúncias e provas de trabalho escravo em pleno século XXI negam nossa 'civilização'; a vigência de um apartheid social, 98% das riquezas do país estão nas mãos de 2% da população; e assim também segue.

Essa pobre descrição que aqui me entrego é uma sombra da excelente argumentação e exposição de idéias da autora. Em suma, o grande alerta da obra, pode-se dizer, é que o discurso do mito fundador visa apaziguar as tensões, ocultar as diferenças, pasteurizar a pluralidade e perpetuar um estado de dominação.

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