17 de fevereiro de 2009

O velho e o mar

Ernest Hemingway, 1952, EUA

O livro narra a saga de Santiago, um velho pescador que, incomodado com a maré de azar que o faz acumular 84 dias sem fisgar nada em seu anzol, resolve se aventurar sozinho em alto mar, em busca do peixe que mudará sua sorte.

"O que aconteceu é que acabou a minha sorte. Mas quem sabe? Talvez hoje ela volte. Cada dia é um novo dia. É melhor ter sorte. Mas eu prefiro fazer as coisas sempre bem. Então, se a sorte me sorrir, estou preparado" (p.35).

E como pode-se imaginar, o destino recompensou aquele que ousou transpor os limites. O animal mordeu a isca. Santiago estava agora diante do maior desafio de sua vida, um colossal peixe nunca antes visto por ele, experiente pescador. Nesse momento, começa o opressor embate entre um velho homem e a poderosa natureza.

"'A sua escolha inicial fora se esconder na águas escuras e profundas, para além de todos os laços, armadilhas e traições. A minha escolha fora ir procurá-lo onde jamais ninguém ousaria ir.' Sim, onde jamais alguém ousara ir. E agora estavam ligados um ao outro e assim se encontravam desde o meio-dia. E não havia ninguém para ajudar nem a um nem a outro"
(p.54).

Mas Santiago não é qualquer homem. É um herói. Não tem superpoderes, simplesmente é capaz de unir intelecto e determinação em alquimia que produz uma força sobre-humana.

"- Peixe - falou ele - não o largo enquanto viver"
(p.56).

"'Por que teria saltado? Quase que diria que veio à tona d'água só para mostrar-me como é grande. Agora já sei, seja lá como for', pensou o velho. 'Gostaria de lhe poder mostrar que espécie de homem sou eu. Mas, nesse caso, ele veria a cãibra que tenho. É melhor que ele julgue que valho mais para ter mais possibilidades do meu lado. Gostaria de ser aquele peixe e trocaria de bom grado a minha vontade e a minha inteligência para ter tudo o que ele tem'"
(p.67).

No mar, em plena luta aflita, o pescador se vê assolado pela solidão. Mas também encontra companhia.

"As primeiras estrelas mostravam-se no céu. Não sabia bem os nomes das estrelas, mas as conhecia e sabia que dentro de pouco tempo apareceriam todas e teria o conforto da companhia daquelas amigas tão distantes"
(p.76).

Em sua aventura, Santiago é um exemplo de superação, de esforço e paixão por seus objetivos. Sua história nos mostra a capacidade humana de desafiar e de sobrepujar as piores adversidades. E é exatamente nesse desafio que reside sua vitória, sua redenção, mesmo que a seguir a natureza cobre seu preço final.

"'Você está me matando, peixe', pensou o velho pescador. 'Mas tem o direito de fazê-lo. Nunca vi nada mais bonito, mais sereno ou mais nobre do que você, meu irmão. Venha daí e mate-me. Para mim tanto faz quem mate quem, por aqui'"
(p. 93).

"'Além disso', pensou, 'tudo mata tudo de uma maneira ou de outra. Pescar mata-me tal como me faz viver'"
(p.106).

Uma história de viver e de lutar, porque a vida só pode se desenrolar se estiver acompanhada do risco:

"- Repouse bem, pequena ave - aconselhou o velho. - Depois siga viagem e arrisque-se como qualquer homem, pássaro ou peixe"
(p.58).

Uma história do mar, esse misterioso universo que nos assombra e nos fascina:

"O velho pensava sempre no mar como sendo
la mar, que é como lhe chamam em espanhol quando verdadeiramente o querem bem. Às vezes aqueles que o amam lhe dão nomes vulgares, mas sempre como se fosse uma mulher. Alguns dos pescadores mais novos, aqueles que usam bóias como flutuadores para as suas linhas e têm barcos a motor, comprados quando os fígados dos tubarões valiam muito dinheiro, ao falarem do mar dizem el mar, que é masculino. Falam do mar como de um adversário, de um lugar ou mesmo de um inimigo. Entretanto, o velho pescador pensava sempre no mar no feminino e como se fosse uma coisa que concedesse ou negasse grandes favores; mas se o mar praticasse selvagerias ou crueldades era só porque não podia evitá-lo. 'A lua afeta o mar tal como afeta as mulheres', refletiu o velho" (p.32).

3 de fevereiro de 2009

Romeu e Julieta

William Shakespeare, 1595-6, Inglaterra

O que dizer sobre esta famosíssima obra da literatura universal? Diria eu que trata-se de uma história de amor? Não é tudo... Diria que versa sobre a alma humana? Poderia... Entretanto, qualquer coisa que disser será precária se comparada à complexidade e riqueza do texto shakesperiano que, assim como as grandes obras do gênio humano, oferece-nos uma gama infinda de interpretações, níveis variados de leitura e uma profusão de sentimentos despertados. Shakespeare é um acontecimento e será tanto melhor aproveitado se for vivido em sua inteireza.

Essa pequena seleção de belíssimos trechos é mais do que suficiente para ratificar meu argumento:

O ódio dá muito
trabalho por aqui; mas mais, o amor.
Então, amor brigão! Ó ódio amoroso!
És tudo, sim; do nada foste criado
desde o princípio. Leviandade grave,
vaidade séria, caos imano e informe
de belas aparências, chumbo leve,
fumaça luminosa, chama fria,
saúde doente, sono sempre esperto,
que não é nunca o que é. Eis aí o amor
que eu sinto e que me causa apenas dor.
(Romeu - Ato I, Cena I)

O amor é dos suspiros a fumaça;
puro, é fogo que os olhos ameaça;
revolto, um mar de lágrimas de amantes...
Que mais será? Loucura temperada,
fel ingrato, doçura refinada.
(Romeu - Ato I, Cena I)

Mas o amor, em tamanha extremidade,
sabe fazer da dor felicidade.
(Prólogo - Ato II)

Meu inimigo é apenas o teu nome.
Continuarias sendo o que és, se acaso
Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio?
Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto,
nem parte alguma que pertença ao corpo.
Sê outro nome. Que há num simples nome?
O que chamamos rosa, sob uma outra
designação teria igual perfume.
Assim Romeu, se não tivesse o nome
de Romeu, conservara a tão preciosa
perfeição que dele é sem esse título.
Romeu, risca teu nome, e, em troca dele,
que não é parte alguma de ti mesmo,
fica comigo inteira.
(Julieta - Ato II, Cena II)

Essas violentas alegrias têm fim também violento,
falecendo no tempo, como a pólvora
e o fogo, que num beijo se consomem.
O mel mais delicioso é repugnante
por sua própria delícia, confundindo
com seu sabor o paladar mais ávido.
Tem, pois, moderação, que o vagaroso,
como o apressado, atrasam-se do pouso.
(Frei Lourenço - Ato II, Cena VI)

Mais rico o sentimento em conteúdo
do que em palavras, sente-se orgulhoso
com a própria essência, não com os ornamentos.
(Julieta - Ato II, Cena VI)

Ainda e sempre em lágrimas? Que é isso?
Sempre a chover? Num corpo pequenino,
o mar imitar queres, barco, ventos?
Pois teus olhos, a que de mar eu chamo,
fluxo e refluxo mostram, só de lágrimas;
teu corpo é o barco nesse mar salgado;
teus suspiros, os ventos, que em conflito
permanente com as lágrimas se encontram
e que hão de soçobrar-te o frágil corpo
tão maltratado pela tempestade,
se não fizer a tempo calmaria.
(Capuleto - Ato III, Cena V)

Quão doce deve ser o amor possuído
se assim tão venturoso é sua sombra!
(Romeu - Ato V, Cena I)

Triunfe o amor, e eis tudo resolvido.
(Julieta - Ato IV, Cena I)