31 de maio de 2013

Ideias que mudaram o mundo


Felipe Fernandez-Armesto, 2003, Inglaterra

Em busca de desvendar como a história acontece, Felipe Fernandez-Armesto faz um movimento interessante. Ele orienta seu olhar para dentro da mente humana, para aquilo que chamou de "a história dirigida pelas ideias". Em sua opinião, as ideias configuram a principal força responsável pelas mudanças na trajetória da humanidade. "Ao que se sabe, nossa capacidade de pensar é complexa se comparada às das outras espécies. As novas ideias desestabilizam, chegam a ser perigosas. Geram frustração com o modo de ser das coisas ou sugerem possibilidades de elas virem a ser diferentes. Por certo, a imaginação não é uma faculdade exclusivamente humana, mas tudo indica que a riqueza dessa imaginação é inigualável. Cada fato que imaginamos é um novo futuro potencial. Estou convencido de que a maior parte das mudanças históricas tem origem intelectual e de que as ideias são agentes transformadores poderosos", afirma o autor logo na introdução de sua obra.

A proposta de Fernandez-Armesto é identificar as principais ideias de todos os tempos, demarcá-las temporalmente e desenvolver uma breve análise sobre cada uma delas, incluindo o contexto de seu surgimento e os impactos que provocaram e continuam a provocar. Nesse trabalho, ele faz uma descoberta interessante: "a maioria das ideias hoje importantes tem origem antiquíssima. Muitas surgiram na mente das pessoas antes mesmo da invenção da escrita, e só podem ser escavadas arqueologicamente ou reconcebidas a partir das raras obras de arte remanescentes".

Você sabia que canibalismo pode não ter a ver com fome e sim com um solene ato ritual? Já pensou porque surgiu a ideia da proibição do incesto, uma das mais fortes de todas? Por que inventamos a noção de tempo começamos a medi-lo? Quando e por quais razões decidimos que a hereditariedade seria o canal de transmissão de transmissão do poder, da riqueza e status? Essas são apenas algumas das questões intrigantes feitas pelo autor.

Quem tem curiosidade aguçada e prazer pela descoberta encontrará na obra uma grande fonte de prazer. São 178 ideias (se eu não tiver contado errado) divididas em 400 páginas de um texto leve e saboroso. E para quem acha que duas páginas não são suficientes para tratar de questões como morte, tempo, caos e incerteza, Fernandez-Armesto oferece uma bibliografia básica de respeito sobre cada assunto, presenteando o leitor com um valioso hipertexto sobra a história do nosso conhecimento.

Mais do que uma seleção arbitrária sobre as principais ideias da humanidade, mais do que estar certo ou errado em seu olhar sobre cada uma delas, o livro é um um convite quase irrecusável para o o aprendizado e a reflexão sobre quem somos e o que pensamos.

A seguir, transcrevo poucos dos muitos trechos que reservei destaque durante a leitura. Aperitivos que despertam o paladar do cérebro para refeições cada vez mais elaboradas.

A ideia do canibalismo
"Que motivo animava os primeiros antropófagos, centenas de anos antes do Homo sapiens? Seria ocioso especular, mas podemos supor que não era um mero expediente de sobrevivência ou um ato de fome ou glutonaria, e sim um solene ato ritual, fundamentado em uma ideia: a tentativa de obter um efeito imaginado e incomensurável" (p.12-13).

A ideia de controlar a natureza através da magia
"A ideia é uma das mais poderosas que o mundo já conheceu: recorrente em todas as sociedades, nenhuma decepção é capaz de eliminá-la. A maioria dos testes constata que ela é falha; nunca se propôs um método convincente de sistematizar a magia. No entanto, por mais que falhassem, os magos sempre inspiraram temor e esperança e sempre mereceram reverência e recompensa" (p.24).

A ideia de uma moralidade universal
"[...] a crença em um ethos ou padrão de pensamento universal, graças ao qual se pode distinguir o bem do mal como uma questão de princípio, é tão comum na humanidade que deve ser antiquíssima. [...] O mais provável é que ela seja como todos os grande objetivos: conquanto raramente alcançados, levam ao empenho, à disciplina e ao autoaprimoramento. Faz com que as sociedades que a tomam a sério sejam queridas pelos cidadãos e fortalecidas pela lealdade e o espírito de sacrifício. A noção romântica de 'justiça poética' - o bem é mais forte que o mal - pode ser um exagero, mas não deixa de ter certa plausibilidade" (p.49).

A ideia de comércio
"Ele nada tinha a ver com as necessidades materiais; tampouco foi, como pretendiam os economistas, o resultado de um sistema racional de escoamento da produção excedente. Ao que tudo indica, o comércio primitivo se realizava principalmente com propósitos rituais. 'A grande descoberta da pesquisa histórica e antropológica recente', escreveu em 1944 Karl Polanyi, um dos mais sofisticados críticos modernos do capitalismo, 'é a de que, via de regra, a economia humana se submerge nas relações sociais. O homem não age para salvaguardar seu interesse individual na posse de bens materiais: age para salvaguardar sua posição social, suas prerrogativas sociais, seus ativos sociais. Só valoriza os bens materiais à medida que eles servem a esse fim'" (p.56).

A ideia de que todos os homens são iguais
"Por ter se originado no mito, a ideia de igualdade sempre foi tratada como tal: glorificada por muitos, levada a sério por poucos. Ocasionalmente acreditou-se nela e, em quase todos os casos, isso resultou em rebeliões dos desprivilegiados contra a ordem estabelecida (fosse ela qual fosse). Quando bem-sucedidas, as rebeliões são revoluções: mas, posto que a igualdade tenha sido um objetivo comum às revoluções, nunca perdurou como realização revolucionária" (p.91).

23 de abril de 2013

A física do futuro (não-ficção)


Michio Kaku, 2011, EUA

Em "A física do futuro", Michio Kaku utiliza seu conhecimento em física, tecnologia e também seu contato com as mais recentes pesquisas científicas para elaborar uma visão sobre o futuro de nossa civilização. Vamos viver mais? Por quanto tempo? Qual será nossa matriz energética? Como será nossa relação com as máquinas? Como será nossa relação uns com outros? Essas são algumas das perguntas em foco neste relato interessante sobre as possibilidades e caminhos que a ciência abre para os próximos 100 anos (e mais).

Desafio
Michio Kaku reconhece a dificuldade de exercícios que se prestam a imaginar do futuro, mas assume o risco, pois avalia que a compreensão madura das leis da natureza são um instrumento poderoso para sondagem das relações de causa e efeito no universo:

"Hoje já não vivemos na era das trevas da ciência, quando se pensava que trovões e pragas eram obras dos deuses. Temos uma grande vantagem que Verne e Leonardo da Vinci não tiveram: uma sólida compreensão das leis da natureza.
Previsões serão sempre falhas, mas um jeito de fazê-las confiáveis ao máximo é compreender as quatro forças fundamentais da natureza que movem todo o universo. Sempre que uma delas foi compreendida e descrita, isso mudou a história humana" (p.24).

Princípio do Homem das Cavernas
Um aspecto bastante interessante e que funciona como referência central para as avaliações do autor é o que ele chama de "Princípio do Homem das Cavernas". Para aqueles que acham que a tecnologia afasta as pessoas e vai acabar levando os indivíduos à insensibilidade e ao isolamento, Michio Kaku afirma exatamente o contrário. Segundo ele, a tecnologia da TV não acabou com o teatro, as compras online não tiraram as pessoas das ruas, a internet não acabou com o cinema, a telefonia não eliminou as reuniões presenciais... Tudo isso, afirma, porque ainda somos os mesmos humanos modernos que surgiram na África há mais de 100 mil anos. Não há evidências que nossos cérebros, personalidade, desejos e sonhos tenham mudado de lá pra cá.

"A questão é: havendo um conflito entre a tecnologia moderna e os desejos de nossos ancestrais primitivos, esses desejos primitivos vencem sempre. É o Princípio do Homem das Cavernas. [...] nossos ancestrais sempre gostaram de encontros pessoais. Isso nos ajudava a criar vínculos com os outros e a ler suas emoções ocultas. É por isso que a cidade sem pessoas jamais aconteceu. [...] Esta é a razão pela qual o turismo cibernético nunca decolou.
[...] nossos antigos ancestrais sempre queriam ver algo por eles mesmos e não confiavam no que os outros diziam. Era crucial para nossa sobrevivência na floresta confiar em evidências físicas reais e não em rumores. [...]
Portanto, existe uma contínua competição entre High Tech e High Touch, quer dizer, entre ficar sentado numa cadeira assistindo a TV e estender a mão e tocar as coisas a nossa volta.
[...] esse é o Princípio do Homem das Cavernas: preferimos ter as duas coisas, mas, podendo escolher, ficamos com High Touch, como nossos ancestrais das cavernas" (p. 29-30-31).

Futuro
O autor organiza sua obra segmentando as previsões por tema -- computador, inteligência artificial, medicina, nanotecnologia, energia, viagens espaciais, riqueza e humanidade -- e analisando cada tema em três momentos -- num futuro próximo (até 2030), em meados do século (2030 a 2070) e num futuro longínquo (de 2070 a 2100).

As projeções de Michio Kaku, de máquinas fantásticas a processos que hoje nos soariam como mágicos, estão bem respaldas na ciência contemporânea e, por mais que o leitor não seja um especialista no assunto, não há como negar que a argumentação do autor as faz parecer bem verossímeis. Entretanto, a obra parece ter um caráter excessivamente otimista em relação à ciência, à tecnologia e ao capitalismo, sugerindo que o conhecimento humano vai, naturalmente, superar nosso momento de escassez e alcançar uma era de abundância e criatividade. Certo ou errado, o livro oferece uma leitura bem instigante, um retrato rico da ciência contemporânea e insights valiosos para a compreensão da nossa sociedade, nossa economia e nossa individualidade.

Reflexão
De acordo com Kaku, para que a humanidade aproveite todo o seu potencial, ela precisará, mais do que ciência, de sabedoria. Ele cita Kant para afirmar que se a ciência é conhecimento organizado, a sabedoria seria a vida organizada. Aí está a reflexão final dessa interessante especulação sobre o futuro; um texto que olha pra frente, mas que certamente revela muitas coisas importantes sobre o nosso mundo de agora.

"A chave, portanto, é encontrar a sabedoria necessária para empunhar esta espada da ciência. [...] Na minha opinião, sabedoria é a capacidade de identificar as questões cruciais do nosso tempo, analisá-las de diferentes pontos de vista e perspectivas e depois escolher a que cumpre algum nobre objetivo e princípio.
Na nossa sociedade, é difícil encontrar sabedoria. Como disse Isaac Asimov, 'O aspecto mais triste da sociedade neste momento é que a ciência acumula conhecimento mais rápido do que a sociedade acumula sabedoria'. Ao contrário da informação, ela não pode ser distribuída via blogs e conversas pela internet. Como estamos nos afogando num oceano de informações, o artigo mais precioso na sociedade moderna é a sabedoria. Sem sabedoria e perspicácia, vagamos ao léu e sem propósito, com uma sensação de vazio depois que acaba a novidade das ilimitadas informações" (p.386-387).