21 de janeiro de 2005

Noite na Taverna

Álvares de Azevedo, 1855, Brasil

“Contos fantásticos” (classificação do próprio autor) amarrados pelo contexto em que se inserem: os personagens Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermann e Johann, reunidos em uma taverna, ao sabor do vinho e do tabaco, narram suas histórias.

A atmosfera do livro é sombria, a escuridão prevalece. O sexo, a mulher e a morte são elementos comuns a todas as narrativas. A perdição, aliada ao demônio, e a inexorabilidade do destino acentuam o caráter trágico dos personagens. Necrofilia, antropofagismo, traição, assassinato e incesto desfilam nas páginas de Noite na Taverna.

Apesar de uma paisagem predominantemente européia, especialistas afirmam que o autor, a partir dessa obra, elabora uma das matrizes da ficção brasileira. Nas palavras de Adonias Filho: “O acervo do cancioneiro anônimo em sua fase oral, criado pelo povo em sua imaginação mítica – os fantasmas e os aventureiros, a mulher e o demônio, o amor e a morte –, ressurge nos contos de Noite na Taverna transfigurado literariamente. A base, pois, é culturalmente brasileira”.

Aqui vai um pequeno trecho que atesta a genialidade e apuro estético de Álvares de Azevedo: “E pois ergamo-nos, nós que amarelecemos nas noites desbotadas de estudo insano, e vimos que a ciência é falsa e esquiva, que ela mente e embriaga como um beijo de mulher”.

19 de janeiro de 2005

Fausto

Johann Wolfgang Goethe, 1808, Alemanha

Brilhante tragédia moderna! Fausto representa o homem ansioso pelo conhecimento e angustiado frente ao insondável mistério do saber. Versado em Filosofia, Medicina, Jurisprudência, Teologia e Artes, companheiro dos livros (que emparedam sua morada), o Doutor Fausto só consegue alcançar uma verdade: como o filósofo Sócrates, conclui que nada sabe.

Sem ver sáida para seu dilema, cede aos encantos de Mefistófeles (o diabo), que oferece, além dos prazeres, o conhecimento inatingido. Pode-se dizer que Fausto, de alguma maneira, reedita os mitos de Prometeu e de Adão e Eva.

Nosso doutor então embarca em uma nova vida terrena, na qual se depara com as delícias mundanas, descobre o valor da sensibilidade (uma nova forma de enxergar o mundo) e conhece o prazer sexual com Margarida, uma jovem a quem seduz e leva à loucura.

Uma valiosa obra de arte escrita pelo gênio de Goethe. Uma história, aparentemente simples, que alberga o universal contraditório da alma humana.

17 de janeiro de 2005

Os sofrimentos do jovem Werther

Johann Wolfgang Goethe, 1774, Alemanha

Obra referência da literatura alemã, grande clássico universal, o livro narra a história de Werther, um jovem da alta burguesia que enfrenta a impossibilidade de sucesso no amor. Sua amada, Carlota, já é comprometida e não existem sinais de mudança do quadro. Para Werther, o sofrimento é inexorável.

Elaborado como um apanhado de cartas e escritos individuais, o livro é uma intensa exploração psicológica. O humor do rapaz acompanha a expressão da natureza; na primavera esbanja vitalidade... enquanto que ao caminho do inverno essa força vai se esfriando. A cumulatividade da dor é sentida a cada página. Werther não vê alternativas, só enxerga a morte.

Comenta-se que a obra faz uma exaltação apologética do suicídio, e que não foram poucos os suicídios atribuídos ao romance. O fato é que trata-se “apenas” de literatura e, nela, tudo pode o homem.

15 de janeiro de 2005

Odisséia

Homero, + ou – 850 a.C., Grécia

Duas epopéias formam a base da literatura grega: a Ilíada, que versa sobre a guerra de Tróia, e a Odisséia, que narra a superioridade e a capacidade de adaptação do povo grego, personificadas no Grande Ulisses.

Essas histórias compõem o alicerce da identidade cultural dos helenos, aquilo que Marilena Chauí descreve como mito fundador (ver o tópico Mito fundador e Sociedade Autoritária, aqui mesmo, nesse Blog). Conhecer sobre a origem da Grécia é de destacada importância para os contemporâneos, já que ela é o germe daquilo que designamos como cultura ocidental.

Ulisses é o arquétipo do heroísmo e da astúcia humana. Amado e odiado pelos deuses do Olimpo, único homem a entrar e sair da morada dos mortos, o reino de Hades.

Sua aventura tem início com o fim da guerra de Tróia, quando tenciona voltar para casa. Alguns atos de imprudência do herói despertam a ira de Posêidon que, por sua vez, amaldiçoa seu regresso à Ítaca. Por outro lado, Palas Atena, que o admira, favorece o herói em sua odisséia.

Repleta de aventuras fantásticas, essa história alberga a circularidade da vida humana, nascimento e morte, luxo e miséria, felicidade e tristeza; Ulisses sai de sua terra natal, conhece glória e infortúnios, e só deseja voltar a casa, para os seus, a fim de gozar a paz e o calmo termo de sua vida.

13 de janeiro de 2005

Ulisses

James Joyce, 1914, Irlanda

Considerado pelos “especialistas” como o romance mais importante do século XX, Ulisses é uma referência de estilo literário contemporâneo. Tomando para si todo o poder da licença poética e liberdade de criação, Joyce constrói uma narrativa totalmente inovadora.

Em Ulisses, não existe a tradicional trama linear. Tampouco um narrador onisciente que guia a leitura e ajuda a tecer o significado dos acontecimentos; o sentido do texto tem de ser alinhavado pelo leitor num forçoso trabalho intelectivo.

Sem vislumbrar limites à sua criatividade, Joyce inova através de uma multiplicidade de vozes narrativas, polvilha incontáveis neologismos no texto, experimenta variados modos de pontuação, mistura tudo com tudo e inaugura a narrativa do (ou seria em?) fluxo de consciência.

O que seria esse fluxo de consciência? Trata-se da fragmentária, irreprimível, perene, enigmática, às vezes inconsciente, outras tantas ininteligível: linguagem do pensamento. O autor buscou, através da literatura, codificar o pensamento humano. Para a arte, foi uma belíssima experiência.

A história, centrada em três personagens principais Leopold Bloom, Molly Bloom e Stephen Dedalus , trava intensa intextextualidade com a Odisséia, de Homero, sendo quase obrigatório o pré-conhecimento desse texto grego, antes de se aventurar no moderno Odisseu.

Do ponto de vista da fruição literária, Ulisses é um texto dificílimo, quase ilegível, se não impossível. Estaria além das capacidades do “leitor comum” (definição na qual me encaixo)? Talvez não tenha sido elaborado para esse tipo de público. Alguns até o consideram um grande engodo! Certamente, há de se reconhecer sua validade como obra revolucionária e inovadora, referência para toda a literatura posterior.

5 de janeiro de 2005

Mito Fundador e Sociedade Autoritária (não-ficção)

Marilena Chaui, 2000, Brasil

“Como foi construído o mito fundador do Brasil, desde 1500 aos nossos dias? Que papel essa idéia representa em nosso país, como fator de coesão e coerção social?”, eis algumas questões apresentadas pelo ensaio de Marilena Chaui.

Segundo a autora, mito, no sentido antropológico, é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos no plano da realidade; e no sentido psicanalítico, é visto como impulso à repetição de algo imaginário que cria um bloqueio à percepção da realidade e impede de lidar com ela. Quanto à fundação, refere-se a um instante imaginário que se mantém vivo ao longo do tempo; é algo tido como perene, que traveja e sustenta o curso temporal e lhe dá sentido.

Portanto, mito fundador é a narrativa que busca estabelecer um sentido originário e agregador para a afirmação de uma sociedade. Essa narrativa passa por cima dos conflitos e diferenças existentes, tentando dar à luz uma ordem e homegeneidade que, na realidade, não correspondem ao processo histórico.

No caso do Brasil, esse discurso passa pela idéia de paraíso terrestre, veja-se a carta de Caminha; país abençoado por Deus, ‘aqui não há catástrofes naturais’; povo pacífico e trabalhador, fruto da união de raças e que, portanto, desconhece o preconceito; e assim segue...

Na realidade, esta máscara não se encaixa: massacres em conflitos de terras e chacinas de crianças atestam a violência que aqui se tolera; denúncias e provas de trabalho escravo em pleno século XXI negam nossa 'civilização'; a vigência de um apartheid social, 98% das riquezas do país estão nas mãos de 2% da população; e assim também segue.

Essa pobre descrição que aqui me entrego é uma sombra da excelente argumentação e exposição de idéias da autora. Em suma, o grande alerta da obra, pode-se dizer, é que o discurso do mito fundador visa apaziguar as tensões, ocultar as diferenças, pasteurizar a pluralidade e perpetuar um estado de dominação.

Macário

Álvares de Azevedo, 1855, Brasil

Elaborado como um texto para teatro, fala de um jovem estudante, Macário, que se encontra com o diabo e, em sua garupa, segue viagem. O diálogo dos personagens versa sobre ‘os sentidos da vida’, a condição humana e a morte.

Quem melhor que o próprio Álvares de Azevedo para definir seu texto: “Esse é apenas como tudo que até hoje tenho esboçado, como um romance que escrevi numa noite de insônia, como um poema que cismei numa semana de febre [...] Esse drama é apenas uma inspiração confusa, rápida, que realizei à pressa como um pintor febril e trêmulo”.

Na segunda parte da obra, interessante é o contraste entre Macário e Penseroso (outro personagem). Eles travam um conflito de posições: crer versus não crer, verdade ou ilusão, amor ou devaneio... esse combate interno que toma como palco a mente humana.

Uma bela passagem: “Eu também chorei, mas, como as gotas que porjeam da abóbada escura das cavernas, essas lágrimas ardentes deixaram uma crosta de pedra no meu coração”.

No plano estético, Álvares de Azevedo é delicioso. O texto é escrito com muita sofisticação. Humor, profundidade e loucura enriquecem a obra.

4 de janeiro de 2005

Ivanhoé

Walter Scott, 1820, Inglaterra

A obra é um marco do romance histórico ocidental, exalta os cavaleiros medievais, o amor cortês, as batalhas sangrentas e aventuras espetaculares. A Inglaterra do século XII é o palco. O enredo retrata as intrigas políticas que antecedem e acompanham o regresso de Ricardo Coração de Leão ao trono inglês, depois de lutar na Terceira Cruzada. Ivanhoé, arquétipo de coragem e beleza, é um nobre cavaleiro saxão que se junta ao rei Ricardo nessa empresa.

Quanto à representação dos costumes da época, o autor expõe a intrínseca relação entre a Igreja e o poder econômico (o apego do clero ao dinheiro, a venda de favores religiosos e da salvação após a morte) e a superstição das pessoas em geral. No livro, também, encontram-se traços marcantes do anti-semitismo da época, entretanto, uma das personagens mais sábias e “nobres de alma” é uma bela jovem judia: Rebeca.

A história ainda ilustra a origem do idioma inglês, o qual estima-se que a metade das suas palavras seja de origem francesa. Segundo Márcio Simões, em matéria publicada na revista RNT, “a maioria dessas palavras foi adotada justamente num período em que a elite inglesa evitava falar inglês, que considerava coisa de pobre". Esse fenômeno está descrito no romance de Sir Walter Scott.