30 de agosto de 2005

Um certo capitão Rodrigo

Erico Verissimo, 1970, Brasil

Um forasteiro, capitão Rodrigo Cambará, chega ao povoado de Santa Fé, no Rio Grande do Sul e esse evento transforma a rotina da cidade.

Rodrigo é um homem bastante interessante – valentão, de bom coração e mulherengo. Animado e falastrão, encanta as pessoas com seu charme e suas histórias, na mesma medida em que cria inimigos entre os poderosos da cidade. Diferente, independente e livre, apresenta uma postura que encoraja a insubmissão, uma ameaça à família Amaral que comanda a região.

O amor à vida é a nota mais marcante em Rodrigo. Ele não sonha com um paraíso celeste, tampouco se preocupa com a morte. Para ele, o importante é o gozo do momento presente. O próprio padre Lara reconhece uma força de caráter nesse ateísmo e acaba gostando do rapaz.

A permanência de Rodrigo em Santa Fé é definida quando conhece Bibiana Terra. Dessa paixão surgem três filhos, Bolívar, Anita e Leonor.

Homem de guerras e andanças, Rodrigo não se acostuma à vida familiar. Ele se entrega à bebida, ao jogo e a outras mulheres. A vida do capitão definha.

Enquanto isso, Bibiana recorda sua avó, Ana Terra, “que costumava dizer-lhe que o destino das mulheres da família era fiar, chorar e esperar” (p.109). Ela ama o marido e acaba suportando todos os sofrimentos para não perdê-lo.

Mas surge um novo despertar: estoura uma guerra. Rodrigo, condecorado por sua valentia em batalhas anteriores, se junta ao líder Bento Gonçalves e luta ao seu lado na Revolução Farroupilha, que, historicamente, durou dez anos nas terras do sul. Assim ele cumpre uma tradição familiar, não morrer numa cama, mas sim na ponta de uma espada ou com o pipoco de uma bala.

Com seu apuro literário, Erico Verissimo nos transmite a atmosfera e os valores da época. A escravidão, a submissão feminina, a marcante presença da religião e a proliferação de idéias liberais originadas no velho mundo são exemplos interessantes. Sua ficção também ilustra marcantes aspectos históricos do país, como a política imperial, o período de regência de Dom Pedro II, o início da imigração européia para o sul do Brasil e a Revolução Farroupilha.

Um livro muito bem escrito, uma história universal e uma estética envolvente estão à disposição do leitor que se debruçar sobre as páginas de Um certo capitão Rodrigo.

A obra é o terceiro episódio do primeiro volume de O Continente, parte integrante da trilogia O Tempo e o Vento, grande trabalho do escritor gaúcho. Contudo, pode ser lido como um texto independe, sem riscos de incompreensão.

19 de agosto de 2005

O Príncipe (não-ficção)

Nicolau Maquiavel, 1513, Itália

Clássico da política, O Príncipe é um tratado sobre a arte do bem-governar. Maquiavel mostra vasta experiência e profundo conhecimento; todas suas idéias, regras e conclusões são colocadas ao lado de fatos históricos que atestam a argumentação.

Quem quiser história encontrará boa fonte sobre grandes estadistas, mas é na psicologia política que está o "pulo do gato" de Maquiavel.

Tipos de principados e seus regimes, tipos de armadas, ética e comportamento de um príncipe, estes são alguns dos temas abordados pelo autor que pretende elaborar um denso projeto que permita a perpetuação do poder de um príncipe.

Cético quanto à natureza humana – “Dos homens, em realidade, pode-se dizer genericamente que eles são ingratos, volúveis, fementidos e dissimulados, fugidios quando há perigo, e cobiçosos” (p.80) – Maquiavel chega a atropelar a ética em alguns (vários) momentos; para ele, os meios justificam o fim: manter-se no poder.

Muitos julgam a obra como modelo imoral de prática do poder (o uso da força é ostensivamente defendido pelo autor que também acredita existir um bom uso para a crueldade), no entanto, seu mérito é expor cruamente a relação do poder com a força (questão fundamental da natureza humana) e o esboço da já mencionada psicologia política.

O Príncipe é um dos marcos inaugurais da literatura política.

O quão louvável é que um príncipe honre a sua palavra e viva de uma forma íntegra, cada qual o compreenderá. Todavia, a experiência nos faz ver que, nestes nossos tempos, os príncipes que mais se destacaram, pouco se preocuparam em honrar as suas promessas; que, além disso, eles souberam, com astúcia, ludibriar a opinião pública; e que, por fim, ainda lograram vantagens sobre aqueles que basearam as suas condutas na lealdade” (p.84).

18 de agosto de 2005

Inferno

Strindberg, 1896, Suécia

Um relato autobiográfico deste autor sueco que, por um lado, trabalhou incansavelmente para produzir ouro através de técnicas alquímicas e, por outro, enfrentou as penas da doença mental.

Loucura, paranóia e sofrimento misturados com religião, filosofia e ciência. História de sua vida enquanto deseja a morte. Tudo através de um texto de muita vitalidade e bastante impressionante quando trata do terror que se passa em sua mente. Um prato cheio para profissionais da psicopatologia.

A primeira parte do relato se passa em Paris, onde Strindberg mergulhou na química e na alquimia em busca do metal amarelo. Esse mergulho o afastou de sua mulher e filha, tornando sua existência profundamente solitária e ensimesmada. Fracassos e dívidas o expulsam da França e o levam de volta ao seu país natal, onde reencontra sua filha de dois anos e experimenta uma nova vida em família. Não há paz para ele, em qualquer lugar que se encontre, Strindberg é torturado pela doença; doença que ele crê ser fruto de poderes invisíveis. Para ele, o inferno é a vida na Terra!

Uma leitura bastante interessante, escrita por um dos maiores gênios suecos do séc XIX. Vale dizer que o autor é muito admirado por Kafka.

Em mim o outono e lá fora a primavera” (p.86), aí está uma frase que resume bem o estado de espírito do autor e dessa obra em particular.