31 de julho de 2006

A Consciência de Zeno

Italo Svevo, 1929, Itália

Zeno começa a escrever suas memórias a pedido de seu psicanalista. O objetivo do Doutor S. é fazer com que seu paciente, ao relembrar os fatos importantes de sua vida, traga à tona as causas de suas aflições, de sua doença.

Nessa empreitada, o personagem reflete sobre sua infância, seus pais, sua vida amorosa e profissional, confessando, inclusive, suas pulsões humanas mais profundas, como as de morte e prazer.

Ao tecer suas lembranças de forma tão clara, precisa e detalhada (algo que extrapola a capacidade humana), Zeno nos faz questionar a real capacidade de resgistro que a memória desempenha. Nesse sentido, as lebranças seriam reinvenções; a memória realiza um processo que reconstrói os 'reais' acontecimentos de nossas vidas. Como diz José Nêumanne, “Mais que registro documental, ela [a memória] é um gênero de ficção”.

Uma das mais importantes obras que enfocam o controverso tema da psicanálise, A Consciência de Zeno está entre os melhores livros escritos no século XX.

“Os saudáveis não se analisam a si próprios, sequer se contemplam no espelho. Só os doentes sabemos algo sobre nós mesmos” (p.163).

14 de julho de 2006

Terra dos Homens

Antoine de Saint-Exupérry, 1939, França

“Saint-Exupérry tornou-se piloto civil aos 21 anos. Aos 26 integrou a equipe que foi sobrevoar o Saara e os Andes levando o correio aéreo da Europa para a África e a América do Sul. [...] Como devia ser a emoção de voar em aparelhos tão pequenos, contando apenas com a hélice e sem nenhuma pressurização? É dessa emoção a matéria desse livro”, escreve Armando Nogueira para a edição brasileira da obra, pela editora Nova Fronteira.

Acrescente-se a isso a emoção das palavras! Nas páginas de Terra dos Homens encontrarás um belíssimo texto de memórias, uma linguagem poética encantadora; e tudo isso maravilhosamente traduzido para o Português por Rubem Braga.

Destaco um capítulo: “O avião”.

Trata-se de uma acurada reflexão filosófica sobre o relacionamento do homem com a técnica e a tecnologia. Nele, Saint-Exupérry nos ensina:

“Se às vezes julgamos que a máquina domina o homem é talvez porque ainda não temos perspectiva bastante para julgar os efeitos de transformações tão rápidas como essas que sofremos. Que são cem anos da história da máquina em face dos duzentos mil anos da história do homem? Ainda nem acabamos de nos instalar nesta paisagem de minas e de centrais elétricas. Ainda nem nos sentimos moradores desta casa nova que nem sequer acabamos de construir. Tudo mudou tão depressa em volta de nós: relações humanas, condições de trabalho, costumes... Até mesmo a nossa psicologia foi subvertida em suas bases mais íntimas. As noções de separação, ausência, distância, regresso, são realidades diferentes no seio de palavras que permaneceram as mesmas. Para apreender o mundo de hoje usamos uma linguagem que foi feita para o mundo de ontem. E a vida do passado parece corresponder melhor à nossa natureza apenas porque corresponde melhor à nossa linguagem.
Cada progresso nos expulsou para um pouco mais longe ainda de hábitos adquiridos; na verdade somos emigrantes que ainda não fundaram a sua pátria” (p. 43-44).

11 de julho de 2006

Mundo Assombrado Pelos Demônios (não-ficção)

Carl Sagan, 1995, Estados Unidos

A obra aborda a importância de uma visão cética para o benefício da humanidade. Não se trata de uma proposta de total desencantamento do mundo; o que o autor deseja é destacar a capacidade crítica para que o mundo deixe de ser “Assombrado pelos Demônios” da ignorância.

Contatos com extraterrestres, abduções, a força dos cristais, meditação transcendental, a existência de Atlântida, esoterismo e astrologia, esses são alguns dos demônios que Sagan desmistifica ao confrontar com a ciência.

Segundo ele, a ciência é uma ferramenta essencial para uma postura cética. Mesmo que esteja longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento, ela ainda é “o melhor que temos”, diz.

A preocupação do autor não fica somente nas quimeras esotéricas. Sagan vai além e revela que o analfabetismo científico e a credulidade representam riscos às sociedades e aos indivíduos. Ele pergunta: “Como fazer escolhas se somos analfabetos?” E segue:

“A nossa política, economia, propaganda e religiões estão inundadas de credulidade. Aqueles que têm alguma coisa para vender, aqueles que desejam influenciar a opinião pública, aqueles que estão no poder [...] têm um interesse pessoal em desencorajar o ceticismo” (p. 100).

E ainda:

“O exame cético não é apenas um instrumento para extirpar o charlatanismo e a crueldade que oprimem os que são menos capazes de se proteger e têm mais necessidade de nossa compaixão, as pessoas a quem são oferecidas poucas alternativas de esperança. É também um lembrete oportuno de que os comícios-monstros, o rádio e a televisão, a imprensa, o marketing eletrônico e a tecnologia encomendada pelo correio permitem que outros tipos de mentiras sejam injetados no corpo político – para se tirar proveito dos frustrados, dos incautos e dos indefesos, numa sociedade crivada de males políticos que estão sendo tratados ineficientemente, se é que são objeto de algum cuidado.
Mentiras, fraudes, pensamentos descuidados, imposturas e desejos mascarados como fatos não se restringem à magia de salão, nem a conselhos ambíguos sobre assuntos do coração. Infelizmente, eles estão infiltrados nas questões econômicas, religiosas, sociais e políticas dos sistemas de valores dominantes em todas as nações” (p.282-283).