30 de março de 2008

O que é arte? (não-ficção)

Jorge Coli, 1981, Brasil

Encontrar uma definição completa e acabada para a arte é tarefa vã, alerta Jorge Coli. Mais apropriado, indica o autor, seria descobrir critérios que atribuem a um um objeto o estatuto de arte, ou seja, quais forças em nossa cultura determinam a atribuição do qualificativo de arte a um objeto.

“Para decidir o que é ou não arte, nossa cultura possui instrumentos específicos. Um deles, essencial, é o discurso sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade. Esse discurso é o que proferem o crítico, o historiador da arte, o perito, o conservador de museu. São eles que conferem o estatuto de arte a um objeto. Nossa cultura também prevê locais específicos onde a arte pode manifestar-se, quer dizer, locais que também dão estatuto de arte a um objeto. Num museu, numa galeria, sei de antemão que encontrarei obras de arte; num 'cinema de arte', filmes que escapam à 'banalidade' dos circuitos normais; numa sala de concertos, música 'erudita', etc. Esses locais garantem-me assim o rótulo 'arte' às coisas que apresentam, enobrecendo-as” (p.10-11 - grifo meu).

Mas as coisas não são tão simples assim, avisa Coli. Ele lembra que apesar de a autoridade do discurso da crítica especializada ser poderoso, o julgamento que ela profere nunca será absoluto e universal. Ao contrário de um discurso técnico, que analisa aspectos objetivos em determinada situação, os “discursos que determinam o estatuto da arte e o valor de um objeto artístico, são de outra natureza, mais complexa, mais arbitrária”, esclarece o autor. Coli nos prova, através de diversos exemplos, que a crítica tem que ser relativizada como um discurso histórico, pertencente a um tempo e um espaço.

Algumas considerações interessantes sobre o problema:

“[...] a autoridade institucional do discurso competente é forte, mas inconstante e contraditória, e não nos permite segurança no interior do universo das artes” (p.22).

“[...] o importante é termos em mente que o estatuto da arte não parte de uma definição abstrata, lógica ou teórica, do conceito, mas de atribuições feitas por instrumentos de nossa cultura, dignificando os objetos sobre os quais ela recai” (p.11).

“A arte instala-se em nosso mundo por meio do aparato cultural que envolve os objetos: o discurso, o local, as atitudes de admiração, etc” (p.12).

Estilo
“Os discursos sobre as artes parecem, com freqüência, ter a nostalgia do rigor científico, a vontade de atingir uma objetividade de análise que lhes garanta as conclusões. E na história do discurso, na história da crítica, na história da história da arte, constantemente encontramos esforços para atingir algumas bases sólidas sobre as quais se possa apoiar uma construção rigorosa.
O instrumento primeiro e mais freqüente desse desejo de rigor é o das categorias de classificações estilísticas. Se conseguirmos definir estilos, no interior dos quais encaixamos a totalidade da produção artística, começamos a pisar terreno mais seguro. E a palavra sobre as artes tentará determinar essas classificações gerais” (p.24-25 - grifo meu).

Para Coli, a idéia de estilo está ligada à idéia de recorrência, de constantes. O conceito “repousa sobre o princípio de uma inter-relação de constantes formais no interior da obra de arte”, acrescenta. Dessa forma, a palavra estilo pode designar tanto o estilo pessoal de cada autor, como o estilo de uma época (“um pano de fundo estilístico comum às obras, por diferentes que sejam”).

Novamente as coisas não são tão simples como se pretendem, e Coli nos deixa mais um um alerta:

“Neste esquema simplificado, a idéia é sedutora. Mas o problema, bem mais complexo, impede na realidade que as articulações sejam assim tão fáceis. Porque a obra de arte não se reduz ao estilo, e porque as classificações estilísticas não têm, muitas vezes, a pureza formal que evocamos [...] E também porque, no discurso sobre a arte, não é raro encontrarem-se referências à idéia de estilo como se fosse suficiente e formal, o que vem ainda mais complicar as coisas” (p.28-29).

Reduzir as obras de arte a seus respectivos estilos é tentador, pois o impulso humano de classificar busca dar ordem ao caos, domesticar a complexidade. Mas essa seria uma atitude totalmente empobrecedora e insatisfatória, demonstra Coli:

“Na maior parte das vezes, atribuímos a essas palavras [impressionismo, rococó, barroco, surrealismo, etc.] um poder excessivo: o de encarnarem uma espécie de essência à qual a obra se refere. [...] Isso nos tranqüiliza, pois [ao aplicar tais palavras] supomos conhecer o essencial sobre a obra; supomos saber o que significam as classificações, e que a obra corresponde a uma delas” (p.29).

Novamente, vale repetir aqui uma recomendação que seria a de todo historiador cultural: Conceitos e classificações nunca devem ser tomadas como algo universal; conceitos são históricos e têm vida num determinado tempo e espaço.

Texto rico
Diferentemente do recorte aqui executado, o texto Jorge Coli aborda uma grande diversidade de questões sobre a arte a obra de arte. Ele fala sobre a produção, comercialização, exposição e conservação da obra de arte e os impactos culturais gerados por cada um desses procedimentos; fala sobre a fruição e apropriação da obra por parte do espectador; e sobre a efemeridade material e cultural dos objetos artísticos, entre tantos outros assuntos.

Especificamente sobre a fruição, o autor nos alerta para o fato de que ela não seria algo imediato, fruto de uma sensibilidade inata. Em suas palavras:

“A fruição da arte não é imediata, espontânea, um dom, uma graça. Pressupõe um esforço diante da cultura. Para que possamos emocionar-nos, palpitar com o espetáculo de uma partida de futebol, é necessário conhecermos as regras desse jogo, do contrário tudo nos passará desapercebido, e seremos forçosamente indiferentes.
[...] A arte, no entanto, exige um conjunto de relações e de referências muito mais complicadas [do que no caso do futebol, por exemplo]. Pois as regras do jogo artístico evoluem com o tempo, envelhecem, transformam-se nas mãos de cada artista. Tudo na arte – e nunca estaremos insistindo bastante sobre esse ponto – é mutável e complexo, ambíguo e polissêmico. Com a arte não se pode aprender 'regras' de apreciação. E a percepção artística não se dá espontaneamente.
[...] Dessa forma, na nossa relação com a arte nada é espontâneo. Quando julgamos um objeto artístico dizendo 'gosto' ou 'não gosto', mesmo que acreditemos manifestar uma opinião 'livre', estamos na realidade sendo determinados por todos os instrumentos que possuímos para manter relações com a cultura que nos rodeia. 'Gostar' ou 'não gostar' não significa possuir uma 'sensibilidade inata' ou ser capaz de uma 'fruição espontânea' – significa uma reação do complexo de elementos culturais que estão dentro de nós diante do complexo cultural que está fora de nós, isto é, a obra de arte” (p.115-117).

O autor também faz uma breve panorâmica de importantes nomes da área, como Heinrich Wölfflin (pioneiro na análise formal), Eugenio d'Ors, Focillon e Panofsky (que mudou o foco da análise para a questão das significações – iconologia – em detrimento das questões formais).

E finaliza falando sobre o poder da arte, qual seja, o de criar mundos, de nos fazer sentir, viajar e entender.

“A arte tem assim uma função que poderíamos chamar de conhecimento, de 'aprendizagem'. Seu domínio é o do não racional, do indizível, da sensibilidade: domínio sem fronteiras nítidas, muito diferente do mundo da ciência, da lógica, da teoria. Domínio fecundo, pois nosso contato com a arte nos transforma. Porque o objeto artístico traz em si, habilmente organizados, os meios de despertar em nós, em nossas emoções e razão, reações culturalmente ricas, que aguçam os instrumentos dos quais nos servimos para apreender o mundo que nos rodeia” (p.109).

27 de março de 2008

História & História Cultural (não-ficção)

Sandra Jatahy Pesavento, 2003, Brasil

A proposta de Sandra Pesavento é apresentar uma panorâmica sobre a História Cultural, uma nova forma de abordagem da História que se consolidou no final do século XX.

“Se a História Cultural é chamada de Nova História Cultural”, afirma a autora logo na introdução da obra, “é porque está dando a ver uma nova forma de a História trabalhar a cultura. Não se trata de fazer uma História do Pensamento ou uma História Intelectual, ou ainda mesmo de pensar uma História da Cultura nos velhos moldes, a estudar as grandes correntes de idéias e seus nomes mais expressivos. Trata-se, antes de tudo, de pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo” (p.15).

Segundo ela, não estamos mais no tempo de certezas normativas, de leis e modelos que regem o social. A busca de verdades absolutas dá lugar à construção de versões narrativas. A História se relativiza:

“Uma era de dúvida, talvez, de suspeita, por certo, na qual tudo é posto em interrogação, pondo em causa a coerência do mundo. Tudo o que foi, um dia, contado de uma forma, pode vir a ser contado de outra. Tudo o que hoje acontece terá, no futuro, várias versões narrativas. [...] Mudou o mundo, mudou a história, mudaram os historiadores” (p.15-16).

Mudanças epistemológicas
Sandra Pesavento dedica um capítulo inteiro para os conceitos que fundamentam esse novo olhar da História e que reorientam a postura do historiador.

O primeiro desses conceitos é o da representação. De acordo com a autora, as representações seriam “formas integradoras da vida social, construídas pelos homens para manter a coesão do grupo e que propõem como representação do mundo”.

“Expressas por normas, instituições, discursos, imagens e ritos, tais representações formam como que uma realidade paralela à existência dos indivíduos, mas fazem os homens viverem por elas e nelas. [...] As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar deste mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e pautem sua existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade” (p.39).

O segundo conceito abordado por Sandra é o de imaginário, que entende-se ser “um sistema de idéias e imagens de representação coletiva que os homens, em todas as épocas, construíram para si, dando sentido ao mundo” (p.43).

“O imaginário comporta crenças, mitos, ideologias, conceitos, valores, é construtor de identidades e exclusões, hierarquiza, divide, aponta semelhanças e diferenças no social. Ele é um saber-fazer que organiza o mundo, produzindo a coesão ou o conflito. [...] para além de sua dimensão histórica, o imaginário é capacidade humana para representação do mundo, com o que lhe confere sentido ontológico” (p.43).

A abordagem da autora nos faz perceber que o que chamamos de mundo real é indissociável do mundo imaginário, que nenhuma sociedade vive fora do imaginário. O mundo imaginário seria o mais real dos mundos, pois é por ele e nele que as pessoas efetivamente conduzem sua existência.

“[...] tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade é o próprio imaginário. [...] a sociedade só existe no plano do simbólico porque pensamos nela e a representamos, desta ou daquela maneira. [...] o terreno do imaginário abrange todo o campo da experiência humana” (p. 44-45).

Outro conceito abordado por ela é o de narrativa, que está relacionado ao novo entendimento da História. “Contemporaneamente, ela é entendida como a narrativa do que aconteceu um dia, entendimento que marca uma diferença significativa com as concepções anteriores”, informa a historiadora.

“Sim, a História teria como meta atingir a verdade do acontecido, mas não como mímesis. Entre aquilo que teve lugar um dia, em um tempo físico já transcorrido e irreversível, e o texto que conta o que aconteceu, há uma mediação. [...] A figura do narrador – no caso, o historiador, que narra o acontecido – é a de alguém que mediatiza, que realiza uma seleção dos dados disponíveis, que tece relações entre eles, que os dispõe em uma seqüência dada e dá inteligibilidade ao texto” (p. 50).

A relativização do alcance de uma verdade absoluta por parte da História introduz, segundo a autora, a concepção do conceito de ficção.

“Nada é simplesmente colhido do passado pelo historiador, como uma história dada. Tudo o que se conhece como História é uma construção da experiência do passado [...] A História inventa o mundo, dentro de um horizonte de aproximação com a realidade [...] Nesta medida, a História constrói um discurso imaginário e aproximativo sobre aquilo que teria ocorrido um dia, o que implica dizer que faz uso da ficção” (p. 53).

“O historiador é aquele que, a partir dos traços deixados pelo passado, vai em busca da descoberta do como aquilo teria acontecido, processo este que envolve urdidura, montagem, seleção, recorte, exclusão. Ou seja, o historiador cria o passado e [...] a História é uma forma de ficção, tal como a Literatura. [...] A ficção é quase histórica, assim como a História é quase uma ficção”, (p.53-54).

Sandra Pesavento trabalha ainda o conceito de sensibilidades, as quais seriam o “cerne daquilo que o historiador do passado pretende atingir”.

“As sensibilidades seriam, pois, as formas pelas quais indivíduos e grupos se dão a perceber, comparecendo como um reduto de tradução da realidade por meio das emoções e dos sentidos. Nessa medida, as sensibilidades não só comparecem no cerne do processo de representação do mundo, como correspondem, para o historiador da cultura, àquele objeto a capturar no passado, à própria energia da vida” (p.57).

A autora arremata: “Representação e imaginário, o retorno da narrativa, a entrada em cena da ficção e a idéia das sensibilidades levam os historiadores a repensar não só as possibilidades de acesso ao passado, na reconfiguração de uma temporalidade, como colocam em evidência a escrita da história e a leitura dos textos” (p.59).

Sobre correntes e campos de pesquisa
Segundo Pesavento, são três as correntes trilhadas pela História Cultural, a partir desse novo patamar epistemológico e metodológico. São elas: a corrente do Texto; a corrente da Micro-História; e a corrente da Nova História Política.

“A primeira delas seria aquela do texto, pensando a escrita e a leitura. Seus pressupostos de análise decorrem daqueles conceitos já apresentados, ou seja, o da compreensão da História como uma narrativa que constrói uma representação sobre o passado, e que se desdobra nos estudos da produção e da recepção dos textos” (p.69).

“A micro-história, como o próprio nome indica, realiza uma redução da escala de análise, seguida da exploração intensiva de um objeto de talhe limitado. Esse processo é acompanhado de uma valorização do empírico, exaustivamente trabalhado ao longo de extensa pesquisa de arquivo” (p.72).
“Os elementos do micro, recolhidos pelo historiador, são como a ponta de um iceberg que aflora e que permite cristalizar algo e atingir outras questões que não se revelam a um primeiro olhar” (p.73).

“Às vezes chamada de Nova História Política, essa postura resulta do endosso, pelos historiadores do político, dos pressupostos epistemológicos que presidem a análise na História Cultural. Imaginário, representação, a produção e recepção do discurso historiográfico reformularam a compreensão do político” (p.75).

De acordo com a historiadora, tais correntes se traduzem em alguns campos temáticos de pesquisa, em torno dos quais se agregam os trabalhos de investigação, quais sejam: o campo das cidades; o campo História e Literatura; o campo das imagens; o campo das identidades; o campo do presente; e o campo da memória.

Ótima leitura
Além de abordar conceitos, métodos e correntes dessa disciplina que marca uma grande virada na História, o livro apresenta os principais autores e movimentos precursores da História Cultural e ainda traz um breve panorama da historiografia brasileira nessa área.

26 de março de 2008

História & Imagens (não-ficção)

Eduardo França Paiva, 2002, Brasil

O livro integra a série “História e Reflexões”, uma coleção, publicada pela Editora Autêntica, que pretende oferecer ao leitor instrumentos que o guiem introdutoriamente nos temas lacunares da História, principalmente nos teóricos-conceituais e metodológicos do campo da História Cultural.

O autor de História & Imagens (e também idealizador da coleção) esclarece que, se antes a iconografia era usada apenas como ilustração e gravura que temperava o texto histórico, hoje ela é fonte privilegiada para a disciplina.

“A iconografia é tomada agora como registro histórico realizado por meio de ícones, de imagens pintadas, desenhadas, impressas ou imaginadas e, ainda, esculpidas, modeladas, talhadas, gravadas em material fotográfico e cinematográfico. São Registros com os quais os historiadores e professores de História devem estabelecer um diálogo contínuo. É preciso saber indagá-los e deles escutar as respostas” (p.17).

Eduardo França Paiva comenta a proposta de sua obra: “As imagens, as representações, os usos delas e as práticas culturais construídas em torno delas e por meio delas constituem [..] a linha mestra desse livro. A sua leitura crítica, que deve problematizar, contextualizar, relativizar e desconstruir, é o alvo a ser atingido. No caminho, até alcançá-lo, convido-o, leitor, a rever, a reinterpretar e a construir a história por meio dessa fonte perigosamente sedutora, uma das vedetes da historiografia mais recente, ela própria instigante e provocadora da sua própria desconstrução e de seu eterno fazer-se” (p.15).

O que a imagem nos oferece
Logo nas primeiras páginas de seu texto, o autor destaca a importância de um esforço crítico em relação à imagem. Ele lembra que apesar de seu apelo aos sentidos, a imagem é apenas um simulacro, não podendo nunca ser considerada como a realidade histórica em si. A imagem apenas traz fragmentos do real, “traços aspectos, símbolos, representações, dimensões ocultas, perspectivas, induções, códigos, cores e formas [...]. Cabe a nós decodificar os ícones, torná-los inteligíveis o mais que pudermos, identificar seus filtros e, enfim, tomá-los como testemunhos que subsidiam a nossa versão do passado e do presente, ela também, plena de filtros contemporâneos, de vazios e intencionalidades” (p.19).

História não é certeza
Em seqüência às considerações sobre a imagem e à versão histórica produzida a partir dela, Eduardo França Paiva nos oferece belas palavras sobre o caráter transitório e pantanoso da História, palavras que podem facilmente ser adaptadas para relativizar todo o conhecimento humano:

“Mas a História é isto! É a construção que não cessa, é a perpétua geração, como já se disse, sempre ocorrendo do presente para o passado. É o que garante a nossa desconfiança salutar em relação ao que se apresenta como definitivo e completo, pois sabemos que isso não existe na História, posto que inexiste na vida dos homens, que são seus construtores” (p.19).

O imaginário
Para o autor, um ponto que não pode ser levado em conta é fato de que as representações – códigos, símbolos, alegorias, etc – integram, sim, “a dimensão do real, do cotidiano, da história vivenciada”. Não existe separação entre aquilo que chamamos de mundo real e mundo imaginário, esses universos se interceptam, se sobrepõem, se confundem.

“O imaginário não é, como se poderia pensar, um mundo à parte da realidade histórica, uma espécie de nuvens carregadas de imagens e representações que pairam sobre nossas cabeças, mas que não fazem parte de nosso mundo e de nossas vidas. Ao contrário, esse campo icônico e figurativo influencia, diretamente, nossos julgamentos; nossas formas de viver; de trabalhar; de morar; de nos vestirmos; de alimentarmos; de expressarmos nossas crenças, sejam elas religiosas, políticas ou morais; de nos organizarmos em nosso cotidiano; de escolhermos nossas atividades e profissões; de construirmos nossas práticas culturais e de novamente representarmos o mundo em que vivemos, em toda sua diversidade e complexidade” (p.26-27).

A obra
História & Imagens não se esgota neste parco comentário aqui elaborado. O livro é rico em aspectos técnicos, metodológicos e conceituais, além de interessantíssimas construções históricas feitas sobre registros iconográficos. Cito algumas: desenhos que registram ocupações e formas de trabalho no Brasil do início do século XIX; o uso recorrente de animais para simbolizar o estranhamento entre continentes (domesticado e fiel, o cão, figura européia, se contrasta com o macaco, o peru, o rinoceronte, a arara e o papagaio, sinônimos de “natureza rude, selvagem, inconstante, imprevisível”); o uso da imagem como instrumento pedagógico para o cristianismo; quadros que expõem uma visão discriminadora sobre a população negra e mestiça; ou pinturas que, em outro momento histórico, passam a celebrar e valorizar expressões culturais populares de origens afro-brasileiras.

História & Imagens é “um livro sobre história cultural, que toma as representações icônicas e figurativas como pontos centrais de reflexão”, explica Eduardo França Paiva. “[...] uma reflexão sobre a recepção, a apropriação e a exploração das imagens no cotidiano, pelo público leigo e por parte dos especialistas, sobretudo por parte dos historiadores”, acrescenta.