11 de abril de 2008

O queijo e os vermes (não-ficção)

Carlo Ginzburg, 1976, Itália

A obra é um dos mais importantes trabalhos da chamada micro-história, uma vertente historiográfica que defende uma delimitação temática extremamente específica, inclusive em termos de espacialidade e de temporalidade:

“Numa escala de observação reduzida, a análise desenvolve-se a partir de uma exploração exaustiva das fontes, envolvendo a descrição etnográfica e preocupando-se com uma narrativa literária. A micro-história contempla temáticas ligadas ao cotidiano de comunidades específicas (geográfica ou sociologicamente), às situações-limite e às biografias ligadas à reconstituição de microcontextos ou dedicadas a personagens extremos, geralmente figuras anônimas, que passariam despercebidas na multidão” (Wikipedia, acessado em 11/4/2008).

Um personagem in-comum
Em “O queijo e os vermes”, Ginzburg foca sua lente em um personagem aparentemente comum, um camponês europeu do século XVI, mais especificamente um moleiro italiano chamado Domenico Scandella e conhecido como Menocchio.

No entanto, Menocchio tinha algumas características incomuns, como saber ler e escrever. E foi essa habilidade, aliada a uma forte curiosidade e atitude questionadora, que fez desse “simples” moleiro um alvo para a Inquisição – Menocchio ousou criar e expor idéias heterodoxas sobre Deus e fé e acabou sendo processado, preso e morto como herege.

Algumas dessas idéias, nas palavras do próprio moleiro:

“[...] 'Eu disse que segundo meu pensamento e crença tudo era um caos, isto é, terra, ar, água e fogo juntos, e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes e esses foram os anjos. A santíssima majestade quis que aquilo fosse Deus e os anjos, e entre todos aqueles anjos estava Deus, ele também criado daquela massa, naquele mesmo momento, e foi feito senhor com quatro capitães: Lúcifer, Miguel, Gabriel e Rafael' [...]" (p.43).

“[...] 'E me parece que na nossa leio papa, os cardeais, os padres são tão grandes e ricos, que tudo pertence à Igreja e aos padres. Eles arruinam os pobres' [...]" (p.47).

“[...] 'A majestade de Deus distribuiu o Espírito Santo pra todos: cristãos, heréticos, turcos, judeus, tem a mesma consideração por todos, e de algum modo todos se salvarão [...] Quem pensa que sabe muito é quem nada sabe. [...] Acho que a lei e os mandamentos da Igreja são só mercadorias e que se deve viver acima disso' [...]" (p.48).

“[...] 'Eu penso que que cada um acha que sua fé seja a melhor, mas não se sabe qual é a melhor' [...]" (p.101).

Um clássico
A partir do estudo dos autos de condenação do moleiro italiano, Ginzburg esboça uma teoria bem mais ampla sobre as relações e trocas entre a cultura de massas e a cultura das classes altas (circularidade cultural), e sobre os vestígios do pensamento pagão ainda em fins da idade média.

O brilhante trabalho de reconstrução do cotidiano e das idéias de Menocchio e a abordagem de importantes questões metodológicas fazem de “O queijo e os vermes” um marco da reflexão sobre a escrita da história, suas dificuldades, desafios e possibilidades.

Leitura imperdível!

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