5 de fevereiro de 2008

Sintaxe da Linguagem Visual (não-ficção)

Donis A. Dondis, 1973, EUA

Existe uma sintaxe visual? Existem linhas gerais para a criação de composições? Pode-se falar em elementos básicos e técnicas manipulativas utilizadas para a criação de mensagens visuais claras?

Segundo Donis A. Dondis, a resposta a todas essas perguntas é sim. Para ela, “o modo visual constitui todo um corpo de dados que, como a linguagem, podem ser usados para compor e compreender mensagens em diversos níveis de utilidade, desde o puramente funcional até os mais elevados domínios da expressão artística” (p.3). E aí está a motivação de sua obra: “[...] ser um manual básico de todas as comunicações e expressões visuais, um estudo de todos os componentes visuais e um corpo comum de recursos visuais [...]” (p.3).

O presente post tenta resgatar os principais conceitos abordados em “Sintaxe da linguagem visual”. A seguir, o leitor vai se deparar com uma colagem um pouco fragmentária, mas que pode ser útil para a apreensão de algumas idéias abordadas por Dondis. O objetivo aqui não é esgotar o assunto, mas tentar criar conexões que favoreçam à memória de quem já leu o livro.

A importância de um alfabetismo visual
Conhecer uma sintaxe visual básica implica na ampliação da capacidade de ver, interpretar e criar mensagens visuais. Isso é o mesmo que dizer que uma pessoa visualmente alfabetizada está apta a navegar com mais desenvoltura pelo universo de signos visuais da contemporaneidade. Aquele que realmente vê e enxerga, é mais livre para ir, vir, escolher e sentir.


A autora nos esclarece melhor esse ponto:

“Que vantagens traz para os que não são artistas o desenvolvimento de sua acuidade visual e de seu potencial de expressão? O primeiro e fundamental benefício está no desenvolvimento de critérios que ultrapassem a resposta natural e os gostos e preferências pessoais ou condicionados. Só os visualmente sofisticados podem elevar-se acima dos modismos e fazer juízos de valor sobre o que consideram apropriado e esteticamente agradável. [...] Alfabetismo significa participação, e transforma todos que o alcançaram em observadores menos passivos. [...] Alfabetismo visual significa uma inteligência visual” (p.231).

Elementos básicos da comunicação visual
“Sempre que alguma coisa é projetada e feita, esboçada e pintada, desenhada, rabiscada, construída, esculpida ou gesticulada, a substância visual da obra é composta a partir de uma lista básica de elementos. [...] Os elementos visuais constituem a substância básica daquilo que vemos, e seu número é reduzido” (p.51).


São eles:

- O ponto: “O ponto é a unidade de comunicação visual mais simples e irredutivelmente mínima. [...] Qualquer ponto tem grande poder de atração visual sobre o olho” (p.53).

- A linha: “Nas artes visuais, a linha tem, por sua própria natureza, uma enorme energia. Nunca é estática; é o elemento visual inquieto e inquiridor do esboço. Onde quer que seja utilizada é o instrumento fundamental da pré-visualização, o meio de apresentar, em forma palpável, aquilo que ainda não existe, a não ser na imaginação. [..] Sua natureza linear e fluida reforça a liberdade de experimentação. Contudo, apesar de sua flexibilidade e liberdade, a linha não é vaga: é decisiva, tem propósito e direção, vai para algum lugar, faz algo definitivo” (p.56).

- A forma: De acordo com a autora, existem três formas básicas: o quadrado, o círculo e o triângulo eqüilátero. “Cada uma das formas básicas tem suas características específicas, e a cada uma se atribui uma grande quantidade de significados, alguns por associação, outros por vinculação arbitrária, e outros, ainda, através de nossas próprias percepções psicológicas e fisiológicas” (p.58).

- Direção: “Todas as formas básicas expressam três direções visuais básicas e significativas: o quadrado, a horizontal e a vertical; o triângulo, a diagonal; o círculo, a curva. Cada uma das direções visuais tem um forte significado associativo e é um valioso instrumento para a criação de mensagens visuais” (p.59 e 60). De acordo com Dondis, a referência horizontal-vertical tem a ver com o equilíbrio; a diagonal está relacionada à instabilidade e à tensão; e as forças direcionais curvas se associam à abrangência, repetição e calidez.

- Tom: “O mundo em que vivemos é dimensional, e o tom é um dos melhores instrumentos de que dispõe o visualizador para indicar e expressar essa dimensão” (p.62). “[...] a sensibilidade tonal é básica para nossa sobrevivência. Só é superada pela referência vertical-horizontal enquanto pista visual do relacionamento que mantemos com o meio ambiente. Graças a ela vemos o movimento súbito, a profundidade, a distância e outras referências do ambiente. O valor tonal é outra maneira de descrever a luz. Graças a ele, e exclusivamente a ele, é que enxergamos” (p.64).

- Cor: “Enquanto o tom está associado a questões de sobrevivência, sendo portanto essencial para o organismo humano, a cor tem maiores afinidades com as emoções. [...] A cor está, de fato, impregnada de informação, e é uma das mais penetrantes experiências visuais que temos todos em comum. Constitui, portanto, uma fonte de valor inestimável para os comunicadores visuais. [...] Assim, a cor oferece um vocabulário enorme e de grande utilidade para o alfabetismo visual” (p. 64). A cor tem três dimensões que podem ser definidas e medidas: matiz, saturação e brilho.

- Textura: “A textura se relaciona com a composição de uma substância através de variações mínimas na superfície do material” (p.70 e 71).

- Escala: “Todos os elementos visuais são capazes de se modificar e se definir uns aos outros. O processo constitui, em si, o elemento daquilo que chamamos escala” (p.72). O brilho se contrapõe ao escuro, o grande faz o pequeno, e assim por diante. “Aprender a relacionar o tamanho com o objetivo e o significado é essencial na estruturação da mensagem visual” (p.75)

- Dimensão: “A dimensão existe no mundo real. Não só podemos senti-la, mas também vê-la, com o auxílio de nossa visão estereóptica e binocular. Mas em nenhuma das representações bidimensionais da realidade, como o desenho, a pintura, a fotografia, o cinema e a televisão, existe uma dimensão real; ela é apenas implícita. A ilusão pode ser reforçada de muitas maneiras, mas o principal artifício para simulá-la é a convenção técnica da perspectiva” (p.75).

- Movimento: “[...] o movimento talvez seja uma das forças visuais mais dominantes da experiência humana” (p.80). Presente naturalmente na televisão e no cinema, o movimento pode ser sugerido nas artes visuais estáticas.

Percepção e comunicação visual“Na criação de mensagens visuais, o significado não se encontra apenas nos efeitos cumulativos da disposição dos elementos básicos, mas também no mecanismo perceptivo universalmente compartilhado pelo organismo humano” (p.30).

- Equilíbrio: “O equilíbrio é a referência visual mais forte e firme do homem, sua base consciente e inconsciente para fazer avaliações visuais” (p.32). Ele pode ser alcançado de forma simétrica ou assimétrica.

- Tensão: É o inesperado, o mais irregular, complexo e instável. Uma figura de maior tensão, ou seja, menos equilibrada, chama mais a atenção do espectador.

- Ambigüidade: “Como a ambigüidade verbal, a ambigüidade visual obscurece não apenas a intenção compositiva, mas também seu significado. [...] Em termos ideais, as formas visuais não devem ser propositalmente obscuras; devem harmonizar ou contrastar, atrair ou repelir, estabelecer relação ou entrar em conflito” (p.39).

- Preferência pelo ângulo inferior esquerdo: “O olho favorece a zona inferior esquerda de qualquer campo visual” (p.39).

- Atração e agrupamento: “Através de suas percepções, o homem tem necessidade de construir conjuntos a partir de unidades [...] ligar os pontos de acordo com a atração dos mesmos. [...] Na linguagem visual, os opostos se repelem, mas os semelhantes se atraem” (p.44 e 45).

Anatomia da mensagem visual“Expressamos e recebemos mensagens visuais em três níveis: o representacional – aquilo que vemos e identificamos com base no meio ambiente e na experiência; o abstrato – a qualidade cinestésica de um fato visual reduzido a seus componentes visuais básicos e elementares, enfatizando os meios mais diretos, emocionais e mesmo primitivos da criação de mensagens; e o simbólico – o vasto universo de sistemas de símbolos codificados que o homem criou arbitrariamente e ao qual atribuiu significados. Todos esses níveis de resgate de informações são interligados e se sobrepõem, mas é possível estabelecer distinções suficientes entre eles, de tal modo que possam ser analisados tanto em termos de seu valor como tática potencial para a criação de mensagens quanto em termos de sua qualidade no processo de visão” (p.85).

“Quanto mais representacional for a informação visual, mais específica será sua referência; quanto mais abstrata, mais geral e abrangente” (p.95).

Técnicas visuais: estratégias de comunicação“As técnicas são os agentes no processo de comunicação visual; é através de sua energia que o caráter de uma solução visual adquire forma. As opções são vastas, e são muitos os formatos e os meios; os três níveis da estrutura visual interagem. Por mais avassalador que seja o número de opções abertas a quem pretenda solucionar um problema visual, são as técnicas que apresentarão sempre uma maior eficácia enquanto elementos de conexão entre a intenção e o resultado. Inversamente, o conhecimento da natureza das técnicas criará um público mais perspicaz para qualquer manifestação visual” (p. 24 e 25).

Em síntese, as técnicas visuais são as ferramentas de manipulação dos elementos básicos da comunicação visual.

“O significado, porém, emerge das ações psicofisiológicas dos estímulos exteriores sobre o organismo humano: a tendência a organizar todas as pistas visuais em formas o mais simples possível; a associação automática das pistas visuais que possuem semelhanças identificáveis; a incontornável necessidade de equilíbrio; a associação compulsiva de unidades visuais nascidas da proximidade; e o favorecimento, em qualquer campo visual, da esquerda sobre a direita, e do ângulo inferior sobre o superior. Todos esses fatores regem a percepção visual, e o reconhecimento de como operam pode fortalecer ou negar o uso da técnica” (p.137).

Segundo a autora, existem inúmeras técnicas e elas podem ser enumeradas em uma série disposta em pares de opostos. Dondis analisa algumas:

Contraste - Harmonia
instabilidade - equilíbrio
irregularidade - regularidade
assimetria - simetria
complexidade - simplicidade
fragmentação - unidade
profusão - economia
exagero - minimização
espontaneidade - previsibilidade
atividade - estase
ousadia - sutileza
ênfase - neutralidade
transparência - opacidade
variação - estabilidade
distorção - exatidão
profundidade - planura
justaposição - singularidade
acaso - seqüencialidade
agudeza - difusão
episodicidade - repetição

A síntese do estilo visual“O estilo é a síntese visual de elementos, técnicas, sintaxe, inspiração, expressão e finalidade básica. É complexo e difícil de descrever com clareza. Talvez a melhor maneira de estabelecer sua definição, em termos de alfabetismo visual, seja vê-lo como uma categoria ou classe de expressão visual modelada pela plenitude de um ambiente cultural” (p.161).

“Ao longo de toda a história do homem, quase todos os produtos das artes e dos ofícios visuais podem ser associados a cinco grandes categorias de estilo visual: primitivo, expressionista, clássico, ornamental e funcional” (p.166).

- Primitivo: “A arte e o design primitivos são estilisticamente simples, ou seja, não desenvolveram técnicas de reprodução realista da informação visual natural. Na verdade, trata-se de um estilo muito rico em 'símbolos' com forte carga de significado, e, por essa razão, podem ter muito mais a ver com o desenvolvimento da escrita do que com a expressão visual” (p.168). O estilo primitivo também é caracterizado pela simplicidade das formas, representação plana e uso de cores primárias.
Dentre as técnicas primitivas, destacam-se: exagero, espontaneidade, atividade, simplicidade, distorção, planura, rotundidade, irregularidade, colorismo.


- Expressionismo: “O expressionismo usa o exagero propositalmente, com o objetivo de distorcer a realidade. É um estilo que busca provocar a emoção, seja religiosa ou intelectual. [...] Onde quer que exista, o estilo ultrapassa o racional e atinge o místico, uma visão interior da realidade, saturada de paixão e intensificada pelo sentimento” (p.171). “O estilo expressionista está presente sempre que o artista ou designer procura evocar a máxima resposta emocional do observador” (p.173).
O expressionismo prefere as técnicas: exagero, espontaneidade, atividade, complexidade, rotundidade, ousadia, variação, distorção, irregularidade, justaposição, verticalidade.


- Clássico: “A racionalidade de design metodologicamente típica da arte grega e romana [...] produziu o estilo visual prototípico do classicismo. Em sua forma mais pura, o estilo clássico extrai sua inspiração de duas fontes distintas. Primeiro, é influenciado pelo amor à natureza, idealizado pelos gregos de modo a tornar-se uma espécie de supra-realidade. [...] Os gregos buscavam a verdade pura em sua filosofia e ciência, e aqui se encontra a segunda fonte do estilo clássico” (p.173).
Dentre as técnicas clássicas, destacam-se: harmonia, simplicidade, exatidão, simetria, profundidade, estabilidade, monocromatismo, agudeza, unidade.


- Ornamental: “O estilo ornamental enfatiza a atenuação dos ângulos agudos com técnicas visuais discursivas que resultam em efeitos cálidos e elegantes. Esse estilo não só é suntuoso em si mesmo, como também costuma ser associado à riqueza e ao poder” (p.176). “Em todos os casos, o design é tipicamente grandioso, com uma decoração infinita de superfícies que o faz parecer regido pelo seguinte aforismo: a ligação mais desejável entre dois pontos é uma linha curva” (p.177).
Algumas técnicas ornamentais: complexidade, profusão, exagero, rotundidade, ousadia, fragmentação, variação, colorismo, atividade, brilho.


- Funcional: “É uma metodologia de design estreitamente ligada à regra da utilidade e a considerações de ordem econômica. [...] A principal diferença entre outras abordagens estilísticas e visuais e o estilo funcional é a busca da beleza nas qualidades temáticas e expressivas da estrutura básica e subjacente, em qualquer obra visual” (p.178). O funcionalismo busca encontrar um valor estético intrínseco aos produtos artesanais.
O estilo funcional se associa a técnicas como: simplicidade, simetria, angularidade, previsibilidade, estabilidade, seqüencialidade, unidade, repetição, economia, sutileza, planura, regularidade, agudeza, monocromatismo, mecanicidade.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Leonardo, vim dar uma olhada no seu blog e acabo por descobrir que ele é intelectualizado. Gostei. Agora, por favor, atualize-o.
Prometo fazer um comentário mais relevante na próxima visita.
Abração

Marcos Henrique

Leonardo Barçante disse...

Agradeço ao amigo que corrigiu minha falha de inferir que a autora dessa obra era um homem. Obrigado pela ajuda. O texto foi corrigido.