25 de janeiro de 2008

Conceitos Fundamentais da História da Arte (não-ficção)

Heinrich Wölfflin, 1915, Suíça/Alemanha

Referência no desenvolvimento da teoria estética moderna, Heinrich Wölfflin elaborou, no início do século XX, um importante sistema de conceitos para a compreensão da obra de arte. No presente livro, tal sistema foi aplicado na análise comparativa de dois períodos: o Renascimento e o Barroco.

Wölfflin propôs um esquema baseado em uma série de pares de opostos: linear x pictórico; planimetria x profundidade; forma fechada x forma aberta; pluralidade x unidade; e clareza absoluta x clareza relativa (ou obscuridade). Tais categorias são tipos ideais e funcionam como pólos estilísticos dos quais uma obra de arte mais se aproxima ou afasta.

Nessa elaboração, o Renascimento aparece associado aos conceitos de linearidade, planimetria, forma fechada, pluralidade e clareza absoluta. Por outro lado, o modelo Barroco orbita pelas idéias opostas: pictórico, profundidade, forma aberta, unidade e clareza relativa. Enquanto o autor desenvolve cada uma dessas categorias, exemplos de pintura, escultura e arquitetura são analisados, ilustrando a validade de seu método.

Os conceitos
Escusado será dizer que qualquer esforço em sintetizar as idéias contidas no livro resultará em perda irreparável de qualidade e conteúdo. No entanto, para fins didáticos e de consulta, tal recurso pode ser bastante útil.

1 - Linear x Pictórico
"[...] o estilo linear vê em linhas, o pictórico em massas. Ver de forma linear significa, então, procurar o sentido e a beleza do objeto primeiramente no contorno - [...]; significa, ainda, que os olhos são conduzidos ao longo dos limites das formas e induzidos a tatear as margens. A visão em massa ocorre quando a atenção deixa de se concentrar nas margens, quando os contornos tornam-se mais ou menos indiferentes aos olhos enquanto caminhos a serem percorridos e os objetos, vistos como manchas, constituem o primeiro elemento de impressão. Nesse caso, é irrelevante o fato de tais manchas significarem cores, ou apenas claridades e obscuridades” (p.26).

"No primeiro caso, a ênfase recai sobre os limites dos objetos; no segundo, a obra parece não ter limites. A visão por volumes e contornos isola os objetos: a perspectiva pictórica, ao contrário, reúne-os. No primeiro caso, o interesse está na percepção de cada um dos objetos materiais como corpos sólidos, tangíveis; no segundo, na apreensão do mundo como uma imagem oscilante" (p.18).

2 - Plano e Profundidade
"A arte clássica dispõe as partes de um todo formal em camadas planas, enquanto a arte barroca enfatiza a profundidade. O plano é o elemento da linha, a justaposição em um único plano sendo a forma de maior clareza: a desvalorização dos contornos traz consigo a desvalorização do plano, e os olhos relacionam os objetos conforme sejam eles anteriores ou posteriores[...]" (p.18-19).

“No primeiro caso [arte do século XVI], verifica-se um empenho pela representação no plano, que articula a imagem em camadas dispostas paralelamente à boca de cena; No segundo (arte do século XVII), a tendência a subtrair os planos aos olhos, desvalorizá-los e torná-los insignificantes, na medida em que são enfatizadas as relações entre os elementos que se dispõem à frente e os que se encontram atrás, e o observador se vê obrigado a penetrar até o fundo do quadro" (p.99).

“Todo quadro possui sua profundidade. Entretanto, ela produzirá efeitos diferentes, dependendo de o espaço estar dividido em camadas, ou se apresentar como movimento homogêneo em direção ao fundo” (p.111).

“A verdadeira oposição dos estilos, contudo, é obtida apenas no instante em que o observador já não imagina encontrar-se diante de uma sucessão de setores, e a profundidade, em contrapartida, se impõe como experiência imediata” (p.113).

3 - Forma Fechada e Forma Aberta
"Por forma fechada entendemos aquele tipo de representação que, valendo-se de recursos mais ou menos tectônicos, apresenta a imagem, como uma realidade limitada em si mesma, que, em todos os pontos, se volta para si mesma. O estilo de forma aberta, ao contrário, extrapola a si mesmo em todos os sentidos e pretende parecer ilimitado, ainda que subsista uma limitação velada, assegurando justamente o seu caráter fechado, no sentido estético" (p.168).

“A arte clássica é a arte das verticais e das horizontais bem definidas. Os elementos manifestam-se com total nitidez e precisão. Quer se trate de um retrato ou de uma figura, de um quadro que narre uma história ou de uma paisagem, no quadro predominam sempre as oposições entre as linhas horizontais e as verticais. Todos os desvios são medidos em relação à forma primitiva pura.
Em contrapartida, o barroco apresenta a tendência, não de reprimir esses elementos, mas de dissimular o seu contraste evidente. Uma estrutura tectônica demasiado nítida é vista pelo Barroco como algo rígido demais e contrário à idéia de uma realidade viva." (p.170).

4 - Pluralidade e Unidade
Na arte clássica a totalidade das formas é concebida como uma unidade. "[..] o que se observa é um todo articulado, onde cada componente, claramente identificável, fala por si, podendo, não obstante, ser imediatamente reconhecido como parte integrante de um conjunto, vinculado a um todo formal" (p.212).

"Os artistas do Seicento atêm-se a um motivo principal, ao qual subordinam tudo o mais. O efeito produzido pela imagem já não depende da maneira pela qual os elementos isolados se condicionam e equilibram reciprocamente; pelo contrário, do todo transformado em um fluxo único emergem formas isoladas de caráter absolutamente dominante, mas de maneira tal que, mesmo preservando a sua função diretriz, essas formas não significam para os olhos algo que possa ser considerado à parte ou destacado do todo" (p.213).

No Barroco, as partes de um quadro "[...] não são elementos isolados que se pudessem destacar do todo; eles representam, sim, o auge de um movimento geral. [...] em toda parte, o estilo da multiplicidade e diferenciação dos elementos transforma-se num estilo que, suprimindo valores autônomos, isolados, funde as partes do todo, imprimindo-lhes movimento".

5 - Clareza e Obscuridade
"Enquanto a arte clássica coloca todos os meios de representação a serviço da nitidez formal, o Barroco evita sistematicamente suscitar a impressão de que o quadro tenha sido composto para ser visto e de que possa ser totalmente apreendido pela visão" (p.270).

"O Barroco rejeita esse grau máximo de nitidez. Sua intenção não é a de dizer tudo, quando há detalhes que podem ser adivinhados. Mais ainda: a beleza já não reside na clareza perfeitamente tangível, mas passa a existir nas formas que, em si, possuem algo de intangível e parecem escapar sempre ao observador. O interesse pela forma claramente moldada cede lugar ao interesse pela imagem ilimitada e dinâmica. Por esta razão, desaparecem também os ângulos de visão elementares, ou seja, a pura frontalidade e o perfil exato; o artista busca o caráter expressivo na imagem fortuita" (p.272).

Leis
Segundo Wölfflin, a aplicabilidade dessas categorias não se restringiria apenas à Renascença e ao Barroco; ela poderia ser estendida a todos os períodos da história da arte. Para o autor, esses pares de conceitos têm um caráter universal; eles sintetizam as leis do desenvolvimento da visão humana.

“Todo artista tem diante de si determinadas possibilidades visuais às quais se acha ligado. Nem tudo é possível em todas as épocas. A visão em si possui sua história, e a revelação destas camadas visuais deve ser encarada como a primeira tarefa da história da arte” (p.14).

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