13 de março de 2007

Falso Amanhecer (não-ficção)

John Gray, 1998, Inglaterra

Com o subtítulo “Os equívocos do capitalismo global”, a obra é um excelente estudo da utopia liberal do livre mercado e seu impacto devastador nas instituições sociais e valores burgueses.

O principal argumento do autor é: “O livre mercado não é – como a atual filosofia econômica supõe – uma situação natural de negócios que ocorre depois de eliminada a interferência política no mercado. Em qualquer perspectiva histórica ampla, o livre mercado é uma aberração rara e efêmera. Mercados regulamentados são a norma, e surgem espontaneamente na vida de qualquer sociedade. O livre mercado é uma criação do poder do Estado. A idéia de que mercados livres e Estado mínimo caminham juntos, que fez parte do arsenal da Nova Direita, é uma inversão da verdade. Uma vez que a tendência natural da sociedade é de controlar mercados, mercados livres só podem ser criados pelo poder de um Estado centralizado. Mercados livres são criações de governos fortes e não podem existir sem eles” (p.272).

O livre mercado, ou laissez-faire, é defendido por aqueles que acreditam que o mercado (ou economia) obtém seu melhor desempenho quando não é regulamentado. Segundo os arautos dessa idéia, o próprio mercado acaba se auto-regulando por meio da livre concorrência e da difusão democrática de conhecimento e informações entre os agentes econômicos. No entanto, alerta John Gray, essa é uma visão distorcida. Segundo ele, o capitalismo não age para preservar a harmonia da sociedade. “Deixado por sua própria conta, ele seria capaz de destruir a civilização liberal” (p.270). E é exatamente por causa de seu caráter destrutivo, continua o autor, que o capitalismo deve ser domado.

Nesse ponto, cabe salientar que o discurso do autor não é fruto de uma posição política ou partidária, ele é resultado de uma densa pesquisa científica. Os estudos de caso vão desde a edificação do livre mercado em meados do século 19 na Grã-Bretanha (o modelo de todas as políticas neoliberais subsequentes) e passam, no século 20, pelas experiências thatcheriana, neozelandesa e mexicana. Além disso, John Gray analisa as economias: americana, européias, russa, japonesa e de demais países asiáticos, como a China.

O livro demonstra que o fundamentalismo de mercado gera profundas instabilidades nas sociedades. Encolhimento da classe média; concentração de renda; aumento da miséria, da violência e do crime organizado; alto grau de degradação ambiental; desregulamentação trabalhista e redução salarial; redução ou extinção de políticas de proteção social; desintegração de instituições sociais mediadoras (como a família e a comunidade local), essas são algumas consequências identificadas nos estudos de caso elaborados por John Gray.

Confira ainda o desenvolvimento de duas idéias do autor:

O livre mercado como agente de desagregação social (caso dos EUA):
“Nos Estados Unidos, os mercados livres contribuíram para problemas sociais numa escala desconhecida em qualquer outro país desenvolvido. As famílias estão mais frágeis na América do que em qualquer outro país. Ao mesmo tempo, a ordem social sustenta-se com uma política de prisões em massa. Nenhum outro país industrializado avançado, à parte a Rússia pós-comunista, utiliza o encarceramento como meio de controle social na mesma proporção dos Estados Unidos. Os mercados livres, a devastação de famílias e comunidades inteiras e o uso das sanções das leis criminais como último recurso contra o colapso social caminham juntos” (p.11). Aqui o autor nos faz perceber que a conexão entre livres mercados e a política de “lei e ordem” jamais foi casual.

Incompatibilidade de conceitos:
“A democracia e o livre mercado são rivais, não aliados. A contrapartida natural da economia de livre mercado é uma política de insegurança. Se 'capitalismo' quer dizer 'livre mercado, então nenhuma visão é mais ilusória do que a crença de o futuro reside no 'capitalismo democrático'. No curso normal da vida política democrática, o livre mercado sempre tem vida curta. Seus custos sociais são tais que não podem ser legitimados por muito tempo em qualquer democracia. Esta verdade é demonstrada pela história do livre mercado na Grã-Bretanha e isto é bem entendido pelos mais sagazes pensadores neoliberais que planejam fazer o livre mercado global” (p.29). Nesse sentido, John Gray arremata, o capitalismo democrático mundial é uma utopia incoerente e irrealizável.

Por fim, vale destacar que John Gray não defende o fim do capitalismo e sua substituição por outro modelo (como o comunismo). Uma das conclusões do autor é que o socialismo ruiu irrecuperavelmente. Segundo ele, tanto o marxismo-leninismo, como a filosofia de livre mercado “são variações do projeto iluminista de suplantar a diversidade histórica de culturas humanas com uma civilização universal, única” (p.276). A saída, segundo argumenta, seria uma reforma da economia mundial que reduzisse os desequilíbrios gerados pela liberalização econômica.

Se nada for feito e insistirmos no modelo atual, o cenário pode ser nebuloso: “Quando o laissez-faire global ruir, uma profunda anarquia internacional será a perspectiva mais provável para a humanidade” (p.280).

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