21 de julho de 2010

Freakonomics (não-ficção)

Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner, 2005, EUA

Qual é o tema central de Freakonomics? Nem os próprios autores souberam responder a essa pergunta. Para eles, o fio condutor da obra é o “raciocínio lógico sobre o comportamento humano no mundo real”: essa seria, segundo Levitt e Dubner, a síntese do pensamento estilo Freakonomics.

As perguntas propostas são variadas e curiosas, como “por que os traficantes ainda continuam morando com suas mães?”, ou “em que a Ku Klux Klan se parece com um grupo de corretores de imóveis?”. O método adotado é a análise de extensos bancos de dados e a utilização de ferramentas da economia para se chegar às respostas.

Mas não soa estranho o advento de uma abordagem econométrica para o estudo do comportamento humano, algo tão diverso e imprevisível? Como fazer sociologia com ferramentas matemáticas e estatísticas? Para os autores, isso não seria problema, pois “Como a ciência da Economia é, em princípio, um conjunto de ferramentas e não uma matéria em si, nenhum tema, por mais alheio que lhe pareça, deve ser considerado fora do seu alcance” (p.14).

Estranho e polêmico. A reação ao pensamento Freakonomics foi forte, principalmente à tese de que uma das principais causas da redução da criminalidade nos EUA foi a legalização do aborto. Nas palavras deles:

“[...] o efeito mais dramático da legalização do aborto — e que levaria anos para se fazer sentir — talvez tenha sido o seu impacto sobre a criminalidade. No início dos anos 90, precisamente quando a primeira leva de crianças nascidas após o caso Roe x Wade chegava à adolescência — época em que os jovens do sexo masculino atingem seu auge criminoso —, o índice de criminalidade começou a cair. O que faltava nessa leva, é claro, eram as crianças mais propensas a se tornarem criminosas. A criminalidade continuou a cair à medida que uma geração inteira alcançou a maioridade, dela excluídas as crianças cujas mães não haviam querido pô-las no mundo. O aborto legalizado resultou num número menor de filhos indesejados; filhos indesejados levam a altos índices de criminalidade. A legalização do aborto, assim, levou a menos crimes.” (p.129-130).

Ciência ou sofisma? A pergunta está no ar e o debate está aberto.

Levitt e Dubner se antecipam a possíveis críticas de que a tese acima seria uma construção leviana, um argumento pró-aborto. Para eles, os dados apenas apontam para uma correlação esclarecedora, o que não significa necessariamente a justificação de um meio, o aborto, para a obtenção de uma finalidade, a redução da criminalidade. Como eles próprios costumam repetir em toda a obra: “[...] o cerne da questão é que o raciocínio estilo Freakonomics simplesmente não tem nada a ver com moralidade. Como sugerimos no início deste livro, se a moralidade representa um mundo ideal, a economia representa o mundo real” (p.196).

“Não é preciso dizer que é chocante descobrir que o aborto foi um dos maiores fatores responsáveis pela diminuição da criminalidade da história americana. A sensação é menos darwiniana do que swiftiana, trazendo à lembrança uma velha observação ferina atribuída a G. K. Chesterton: quando inexistem chapéus suficientes para todos, a solução do problema não é cortar algumas cabeças. A queda da criminalidade foi, no jargão dos economistas, "um beneficio acidental" da legalização do aborto. Não é preciso, porém, ser contra o aborto, do ponto de vista moral ou religioso, para perder o prumo diante da noção de que um sofrimento pessoal possa ser convertido em satisfação coletiva.” (p.132)

A seguir, transcrevo alguns trechos de Freakonomics, passagens que ilustram os fundamentos da obra, análises curiosas, opiniões e informações interessantes. Nunca é demais sugerir que se mantenha o senso crítico sempre alerta, para não se adotar automaticamente as respostas oferecidas pelo livro. Se há uma lição inquestionável em Freakonomics, é a de que deve-se sempre questionar a sabedoria convencional, o senso comum, o conhecimento estabelecido, e isso vale também para as “verdades” produzidas por Levitt e Dubner. Afinal, o que conta no processo de construção do conhecimento é o processo, a constante busca de um melhor entendimento das coisas.

Ideias fundamentais de Freakonomics
“Os incentivos são a pedra de toque da vida moderna. Entendê-los – ou, na maior parte das vezes, investigá-los – é a chave para solucionar praticamente qualquer enigma, dos crimes violentos à trapaça nos esportes ou ao namoro na Internet.

O senso comum em geral está equivocado. Não havia escalada da criminalidade nos anos 90, o dinheiro sozinho não ganha eleições e – surpresa! – ninguém jamais comprovou que ingerir oito copos d’água por dia faça bem à saúde. O senso comum costuma ser mal fundamentado e muitíssimo difícil de investigar, mas isso não é impossível.

Causas distantes e até mesmo sutis podem, muitas vezes, provocar efeitos drásticos. A solução de um determinado enigma nem sempre está diante dos nossos olhos. Norma McCorvey teve um impacto bem maior sobre a criminalidade do que a combinação de forças do controle de armas, da euforia econômica e das estratégias policiais inovadoras. É possível dizer o mesmo, como veremos adiante, de um homem chamado Oscar Danilo Blandon, também conhecido como Johnny Rei do Crack.

Os "especialistas" – dos criminologistas aos corretores de imóveis – usam suas informações privilegiadas em benefício próprio. No entanto, eles podem ser vencidos em seu próprio jogo. Além disso, com o advento da Internet, sua superioridade em termos de informação cada dia encolhe mais – como comprova, entre outras coisas, a queda de preço dos caixões e dos seguros de vida.

Saber o que medir e como medir faz o mundo parecer muito menos complicado. Quando se aprende a examinar os dados de forma correta, é possível explicar enigmas que do contrário pareceriam insolúveis, pois nada como o poder dos números para remover camadas e camadas de desconhecimento e contradições” (p.13-14).

Economia e incentivos
“A economia é, em essência, o estudo dos incentivos: como as pessoas conseguem o que querem, ou aquilo de que precisam, principalmente quando outras pessoas querem a mesma coisa ou dela precisam. Os economistas adoram incentivos. Adoram bolá-los e pô-los em prática, estudá-los e brincar com eles. O economista-padrão acredita que o mundo ainda não inventou um problema cuja solução ele não possa inventar, desde que lhe seja dada carta branca para elaborar o esquema de incentivo apropriado. Essa solução nem sempre é bonita - ela pode incluir coação ou multas exorbitantes, bem como a violação das liberdades civis -, mas o problema original com certeza será resolvido. Um incentivo é uma bala, uma alavanca, uma chave: geralmente um objeto pequeno com incrível poder de alterar uma situação.

Aprendemos a reagir a incentivos, negativos e positivos, desde o início da vida. Se você engatinhar até o forno quente e encostar a mão nele, vai queimar o dedo, mas se trouxer apenas notas 10 da escola, o prêmio é uma bicicleta nova. Se for flagrado com o dedo no nariz durante a aula, você vira piada, mas se vencer campeonatos para o time de basquete, passa a ser o líder da turma. Se chegar em casa depois da hora, o castigo é certo, mas se tirar boas notas no colégio, carimba o passaporte para uma boa universidade. Se levar bomba no curso de direito, vai precisar trabalhar na seguradora do papai, mas caso se destaque a ponto de uma empresa concorrente disputar seu passe, ganha a vice-presidência, não precisando mais trabalhar para o papai. Se a euforia do novo cargo o levar a exceder o limite de velocidade na volta para casa, fará jus a uma multa de $100, mas se no final do ano atingir sua meta de vendas, embolsando uma gratificação polpuda, não só os $100 da multa se transformam em mixaria, como você vai poder comprar aquele fogão estupendo no qual seu filho, na fase de engatinhar, poderá queimar o próprio dedinho.

Incentivos não passam de meios para estimular as pessoas a fazer mais coisas boas e menos coisas ruins” (p.18).
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“A noção fundamental da economia: todo mundo reage a incentivos” (p.275).
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“Os incentivos existem em três tipos de sabores básicos: econômico, social e moral” (p.19).
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“Se a economia é uma ciência preocupada basicamente com incentivos, ela é também – felizmente – uma ciência com ferramentas estatísticas para avaliar como as pessoas reagem a esses incentivos. Bastam apenas alguns dados” (p.26).

Quem trapaceia?
“Ora, praticamente todo mundo, se a oportunidade for propícia. Você pode dizer a si mesmo: "Eu não, seja qual for a situação." Depois, talvez se lembre de quando trapaceou, digamos, no jogo de damas. Na semana passada. Ou daquela bola de golfe que empurrou com o pé para tirar da má posição em que o arremesso a deixara. Ou da vez em que estava aguando a broa na sala do café do escritório, mas não tinha o dinheiro para pôr na caixinha coletiva. E pegou a broa assim mesmo, jurando que pagaria dobrado na vez seguinte. O que acabou nunca fazendo.

Para cada pessoa inteligente que se dê ao trabalho de bolar um esquema de incentivo existe um exército de outras, inteligentes ou não, que inevitavelmente gastarão mais tempo ainda tentando fraudá-lo. […] A trapaça é, primordialmente, um ato econômico: obter mais gastando menos” (p.22-23).

Honestidade inata?
Adam Smith, contudo, não ficaria surpreso. Com efeito, o tema de seu primeiro livro, A teoria dos sentimentos morais, era a honestidade inata do ser humano. "Por mais que se considere egoísta um indivíduo", escreveu ele, "existem evidentemente alguns princípios
em sua natureza, que o fazem interessar-se pela sorte dos outros, tomando necessária para ele a felicidade desses outros, embora daí não lhe advenha coisa alguma além do prazer de testemunhá-la."

Feldman gosta de contar a seus amigos economistas uma história chamada "O anel de Gyges". Ela faz parte de A República de Platão. Um aluno, Glauco, apresentou-a em resposta a uma aula de Sócrates – que, como Adam Smith, argumentava que as pessoas em geral são boas mesmo sem correr o risco de punição se não o forem. Glauco, à semelhança dos amigos economistas de Feldman, discordava dessa visão. O personagem de sua história, um pastor chamado Gyges, encontra por acaso uma caverna onde jaz um cadáver que usava um anel. Quando Gyges enfia o anel no próprio dedo, descobre que esse o torna invisível. Sem ninguém para monitorar seu comportamento, Gyges passa a praticar más ações – seduz a rainha, mata o rei e assim por diante. A história de Glauco levanta uma indagação moral: algum homem seria capaz de resistir à tentação do mal se soubesse que seus atos não seriam testemunhados? Aparentemente, Glauco achava que não, mas Paul Feldman se alinha com Sócrates e com Adam Smith, pois sabe que a resposta, ao menos 87% [número obtido em um dos estudos descritos no livro] das vezes, é afirmativa (p.48-49).

Qual o valor do senso comum?
“Assim é que, sob o ponto de vista de Galbraith, a sabedoria convencional deve ser simples, conveniente, cômoda e confortadora — embora não necessariamente verdadeira. Seria tolo argumentar que a sabedoria convencional nunca é verdadeira, mas perceber onde ela pode ser falsa — percebendo, quem sabe, os indícios de um raciocínio apressado ou interesseiro — é um bom ponto de partida para elaborar perguntas.“ (p.82).

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