Pier Paolo Pasolini,
1968, Itália
Uma família,
aparentemente acostumada a sua rotina de papéis bem estabelecidos,
recebe a visita de um estranho. Esse misterioso hóspede, do qual não
sabemos a origem e mesmo o nome, possui um charme e carisma que
desloca completamente o centro de gravidade da casa, conquistando
cada um dos moradores e transformando para sempre a vida deles. A
família nunca mais será a mesma.
O estranho tem uma
postura impassível e serena, e parece possuir uma empatia incrível,
sendo capaz de entender e compreender a dor de cada um dos
personagens. Essa postura de intimidade quase paternal aliada a uma
beleza que emana juventude e vigor são os elementos principais do
poder de atração que o hóspede exerce sobre os membros da família. "Uma presença que não tem nenhum significado e que, no entanto, é uma revelação", escreve Pasolini.
Um a um, da empregada
ao pai, passando pelos filhos e pela matrona da casa, todos são
seduzidos por essa luz irresistível, por esse desconcerto
apaixonante que faz despertar dimensões ocultas e reprimidas do
desejo. Esse contato com a luz não é impune para nenhum dos
personagens. A experiência desloca a existência de sua condição
anestesiada e confortável, trazendo à superfície de cada morador uma individualidade e consciência de si que alcançam contornos
dolorosos e enlouquecedores. É o colapso daquela família.
"Alguma coisa difícil de definir, uma insuportável lucidez, o faz permanecer de olhos abertos, pensando, quem sabe, numa vida cujo sentido, depois de ter sido distorcido, ficou no ar, em suspenso. Que fazer dela?" (p.66).
O livro expressa o
olhar de Pasolini sobre a denominada “crise estrutural do capital”
a partir de uma de suas principais instâncias sócio-reprodutivas: a
família.
"Para poder exercitar, realmente ou realisticamente, a inteligência, ele deveria ser inteiramente recriado. Sua classe social vive nele a sua verdadeira vida. Não será, pois, compreendendo ou aceitando, e sim agindo, que ele poderá apoderar-se da realidade que lhe é sonegada por sua razão burguesa; só agindo, como num sonho; ou melhor, agindo antes de decidir" (p. 43).
O misterioso hóspede não é a causa do colapso familiar. O que o autor denuncia como origem desse processo é o próprio sistema capitalista, que reduz as individualidades a papéis padronizados, vazios e inertes; que condiciona as mentes para relações de consumo; e empobrece a riqueza da interação humana, pois impõe a mercadoria como referência de valor.
A família de “Teorema” já encontrava-se em crise antes da quebra da rotina. Seus laços já vinham deteriorados e enfraquecidos. A manutenção destes devia-se apenas a um conjunto de crenças equivocadas e à inércia típica dos anestesiados. Quando o estranhamento é colocado, com a chegada do hóspede, todo esse sistema precário desmorona e, com ele, os sentidos que davam sentido à antiga vida.
A família de “Teorema” já encontrava-se em crise antes da quebra da rotina. Seus laços já vinham deteriorados e enfraquecidos. A manutenção destes devia-se apenas a um conjunto de crenças equivocadas e à inércia típica dos anestesiados. Quando o estranhamento é colocado, com a chegada do hóspede, todo esse sistema precário desmorona e, com ele, os sentidos que davam sentido à antiga vida.
O título “Teorema”
traduz a ideia de Pasolini de, a partir de uma situação particular, tentar denunciar uma condição que, para ele, é universalmente imposta pelo sistema capitalista: uma
condição que implica na geração de individualidades frustradas, para que estas compensem seus vazios existenciais nas prateleiras da sociedade
de consumo. Escrita e rodada em 1968 (Pasolini também dirigiu um
filme com esse texto), a obra possui um destacado poder visionário
que nos ajuda a entender um pouco da dinâmica neoliberal de nossa época.