6 de maio de 2005

Filosofia da Ciência (não-ficção)

Rubem Alves, 1993, Brasil

Um texto magnífico que elabora reflexões sobre a ciência, desmistificando seu suposto caráter de superioridade. Análise e história do conhecimento acessível a todos e escrita de forma brilhante. Rubem Alves prova que as questões mais complexas não precisam ser abordadas sob o prisma da obscuridade; clareza e simplicidade são os atributos mais valorizados pelos sábios. E assim se apresenta todo o texto: claro e simples.

A questão central da exploração do autor é: “Todo o mito é perigoso porque induz o comportamento e inibe o pensamento. O cientista virou um mito. [...] Existe uma classe especializada em pensar de maneira correta (os cientistas), os outros indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem simplesmente fazer o que os cientistas mandam. [...] Antes de mais nada, é necessário acabar com o mito de que o cientista é uma pessoa que pensa melhor do que as outras” (cc).

O livro é uma leitura estupenda para qualquer um que se dispõe a uma atitude filosófica e tenha apreço ao espírito crítico. Transcrevo aqui uma passagem extremamente racional e igualmente poética acerca da eterna busca da ciência: “No fundo estamos brincando de faz-de-conta. Fazemos de conta, para efeitos práticos, que um modelo é verdadeiro. Mas nunca há como dizer quando é que temos a verdade em nossas mãos” (p. 49).

A mensagem final ilustra o que talvez seja o ponto crítico para uma mudança na relação da ciência com a sociedade. Segundo o autor, “já que a ciência não pode encontrar sua legitimação ao lado do conhecimento, talvez ela pudesse fazer a experiência de tentar encontrar seu sentido ao lado da bondade” (p. 217). Ele ainda cita Brecth: “Eu sustento que toda finalidade da ciência está em aliviar a miséria da existência humana”.

A seguir estão alguns tópicos que podem ser, além de instrutivos, indicadores da brilhante argumentação do autor. Todos eles são, total ou parcialmente, recortes do texto do autor e de seus citados.
  • A ciência é uma especialização, uma hipertrofia de capacidades que todos têm.
  • O poder do pensamento é o poder de simular o real.
  • A resolução de problemas passa pela construção de modelos.
  • O modelo presume a ordem.
  • A ordem fascina o homem e é a inspiração da ciência.
  • Uma lei ou teoria é um modelo da ordem.
  • A ordem não está presente somente na ciência; também está na magia, na religião, no senso comum...
  • A exigência da ordem se fundamenta na própria necessidade de sobrevivência.
  • A inspiração da ciência não é um privilégio dos cientistas. A ordem se inclui nos níveis mais primitivos da vida.
  • Conhecer é reduzir o desconhecido ao conhecido.
  • Não conhecemos coisa alguma senão o nosso modo de conhecer as coisas.
  • Ciência: palpites, conhecimento provisório.
  • Ensinar ciência é ensinar modelos.
  • Teorias são enunciados acerca do comportamento dos objetos de interesse dos cientistas.
  • Leis são enunciados da rotina. Elas se interessam pela ordem, pela regularidade, pelo comum; e o comum é o universal.
  • Parar nos fatos nos deixa aquém da explicação.
  • Os fatos, em si mesmos, não oferecem iluminação; o problema científico é o da interpretação.
  • Interpretar é dar (criar) sentido.
  • Um sistema científico é sempre resultado de uma atividade criativa.
  • A construção de teorias depende da imaginação, da intuição.
  • Sem a totalidade, a compreensão não existe. Mas a totalidade não é dada pelos fatos. Ela deve ser intuída, inventada.
  • A verdadeira descoberta não é um processo estritamente lógico.
  • Não conhecemos; só podemos fazer palpites.
  • Emoção e objetividade não se opõem. É a emoção que cria o objeto.
  • A ciência é produto de seres humanos engajados na fascinante aventura de viver suas vidas pessoais.
  • Na formação das teorias entra sempre uma pitada de fé: uma crença na continuidade e homogeneidade do real ou na unidade do passado e do futuro...

4 de maio de 2005

A Ordem do Discurso (não-ficção)

Michel Foucault, 1970, França

Trata-se da aula inaugural que Foucault proferiu quando assumiu a cátedra vacante no Collège de France. Um texto brilhante que elenca os “procedimentos de controle e de delimitação do discurso” e expõe a “relação entre as práticas discursivas e os poderes que as permeiam” (cc).

Em um segundo momento, o filósofo aponta a direção que pretende dar aos estudos dessa área, ilustrando as linhas para a pesquisa que intentava desenvolver (e o fez) nos cursos do Collège de France.

Mas, como comentar esse texto, na medida em que o próprio Foucault, em seu pronunciamento, anuncia que o comentário é um desses ‘procedimentos de controle’? Em suas palavras:

“O comentário não tem outro papel, sejam quais forem as técnicas empregadas, senão o de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro.
Deve, conforme um paradoxo que ele desloca sempre, mas ao qual não escapa nunca, dizer pela primeira vez aquilo que, entretanto, já havia sido dito e repetir incansavelmente aquilo que, no entanto, não havia jamais sido dito” (p. 25).

Resta então a indicação da leitura da obra... o ideal é deixar de lado esses magros comentários como os que aqui (nesse blog) se lê.